quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Capítulo 21 - De volta às origens


A sexta-feira passou num ápice. Tinha dois bons motivos para isso: a noite anterior maravilhosa com o David e a ânsia de regressar à cidade que me viu crescer. Saí ligeiramente mais cedo do trabalho, com autorização do patrão, e liguei ao Sr. José para me levar à estação. A viagem foi longa e atribulada, já que a hora de ponta a uma sexta-feira provoca o caos na capital. Já na estação, despedi-me do Sr. José, comprei o bilhete e corri para apanhar o comboio para Coimbra. Aproveitei a viagem sobre carris para ligar à Si e contar-lhe as novidades dos dias em que ela esteve ausente. Quase duas horas depois estava em Coimbra. Na estação Coimbra-B, a minha mana e o meu pai aguardavam-me.

- Olá família bonita. – Dei dois beijos a cada um – Então miúda, como é ter quase dezanove aninhos?
- Eh – respondeu-me, encolhendo os ombros – é a mesma coisa que ter dezoito.
- Pois, mas aproveita bem que a partir de agora é sempre a vê-los passar. E de amores como estamos?
- Oh mana…
- Que foi, estás com vergonha de falar em frente ao velhote. – Soltei uma gargalhada.
- Ei! Velhote o tanas. – Resmungou o meu pai enquanto, de cigarro na boca, colocava as malas na bagageira.

Entrámos no carro e seguimos para a santa terrinha, onde a minha Maria nos aguardava sentada à porta do café. Assim que viu o carro, um sorriso iluminou-lhe o rosto. Pedi à minha irmã que encostasse e fiquei logo ali, onde, para além da minha mãe estavam também algumas amigas. Por entre abraços, beijinhos e muitos sorrisos pedi uma tosta mista e um sumo para acalmar o estômago que roncava desde a partida de Lisboa. Mandei uma mensagem à Si a dizer que tinha chegado. Assim que deu a meia-noite cantámos os parabéns à minha irmã, com direito a bolo de aniversário e tudo. O café continuava cheio e a diversão presente. Pouco faltava para a uma da manhã quando fomos para casa.

Adorava voltar à minha terra e à casa dos meus pais. Uma das coisas boas de crescer numa terra pequena, onde todos se conhecem, é o carinho com que sou recebida cada vez que lá volto. E claro, os amigos de infância, aqueles que me conhecem tão bem quanto eu própria. E as marcas do passado, que continuam sempre lá, entranhadas por todo o lado: no som das brincadeiras nos baloiços; no cheiro das bifanas e do caldo verde das festas; no tacto das quedas que dávamos no campo de futebol pelado; no paladar da broa cozida pela minha avó e dos doces da minha madrinha; nas imagens dos que já partiram, dos que já cresceram e dos que continuam iguais. Claro que viver numa terra pequena tem os seus inconvenientes, como as cusquices das vizinhas e as intromissões na vida alheia, mas as coisas boas fazem esquecer das más. Indubitavelmente!

Entrámos em casa, tomei um banho e deitei-me na cama com a minha irmã.

- Que saudades de dormir contigo, miúda. Nunca me vou habituar a dormir sozinha. – Disse à minha irmã enquanto me enroscava no seu corpo quente.
- Olha, eu então já estou mais que habituada. E não te mexas muito que fazes frio.

Soltámos uma gargalhada conjunta. Era sempre assim. Desde miúdas que dividíamos não só o quarto mas também a cama. E das duas vezes que saí de casa, dormir sozinha foi sempre o meu maior tormento. Estivemos a conversar, eu e a Cris, até muito tarde. Falámos de coisas sérias, mas também dissemos muitos disparates enquanto tentávamos evitar as gargalhadas sonoras e o consequente raspanete do meu pai ou da minha mãe. Mas quanto mais tentávamos mais nos ríamos. Foi sempre assim, desde pequenas, e suspeito que continuará a sê-lo até ao fim das nossas vidas. Adormecemos pouco depois.

*****************

A manhã estava fria em Coimbra. Mas o sol brilhava, o que aumentava ainda mais o encanto da cidade dos estudantes. Percorri as ruas da baixa com uma satisfação imensa. Apesar dos centros comerciais já existentes na cidade, nada me fazia mais feliz do que fazer compras no comércio tradicional. Sobretudo porque me recordava das horas que eu e as minhas amigas passávamos a cirandar por aquelas ruas, becos e vielas quando tudo o que era novidade em Coimbra só se encontrava ali. Comprei alguma roupa, umas botas lindas às quais não consegui resistir, e apesar de já ter a prenda para a Cris não resisti a comprar-lhe mais um vestidinho para ela brilhar nessa noite. Ao meio-dia estava estafada mas muito satisfeita com as compras feitas. Estava a guardar os sacos no carro, quando recebi uma mensagem da Si a convidar-me para almoçar. Marcámos no habitual sítio dos almoços: o restaurante Itália, à beira do rio Mondego. Se fosse jantar era sempre no restaurante chinês, em Celas. Meia hora depois a Si chegava ao pé de mim.

- Então miúda, tiveste saudades minhas? – Perguntei à Si a sorrir.
- Eu tive. Tu é que não deves ter tido minhas. Andaste por lá tão entretida. – Respondeu num tom de provocação.
- Opa, não me irrites.
- Hum… Estás a ficar apaixonada?
- Olha lá tu és maluquinha? Claro que não.
- Oh, pois, claro que não. Tu e a tua mania de negares a paixão. Está escrito na tua testa, Kika.
- Opa cala-te. Não posso, Si, não posso.
- Porquê? Vocês são os dois adultos e disponíveis.
- Sim, mas apaixonar-me por um jogador de futebol não faz propriamente parte dos meus planos.

Íamos conversando enquanto caminhávamos pelo Parque da Cidade, junto ao Rio, onde fui situado o restaurante.

- Isso não é preconceito, amiga?
- Não. Chama-se “ter dois palminhos de testa”. O David é uma pessoa espectacular, beija maravilhosamente bem, provoca em mim sensações indescritíveis e incontroláveis, mas… não, obrigada.
- Eu continuo a perguntar porquê?
- Oh Si, o Benfica conseguiu segurá-lo a época passada mas este ano não em parece que isso vá acontecer. E eu não posso alimentar uma paixão por uma pessoa que daqui a uns meses se vai embora.
- Alimentar uma paixão? Ah, afinal ela já existe.
- Porra, não te escapa nada.
- Sabes bem que não. E o que é que tem ele ir-se embora? Tu também não sabes onde vais estar daqui a uns meses. A vida dá muitas voltas.
- Oh, está bem, não me chateies.
- Ok, não se fala mais no assunto… (pausa) …mas eu se fosse a ti não desperdiçava um homem daqueles.
- Vai à merda. Olha lá, a que horas vais para baixo?
- Lá para as seis.
- Vais ver o jogo?
- Não. O Gustavo convidou-me, mas aquilo parece-me muita confusão para o meu gosto. E tu, onde vais ver?
- No café, claro. E estou cá com uma fezada que o Sporting vai ganhar.
- Hum, hum. E se o David cumpre a promessa?
- Mato-o, sem dó nem piedade.
- Hum, hum. E como? Com beijos ou com uma valente noite de sexo?

A Sílvia ria descontroladamente. Eu coloquei-lhe o braço direito por cima dos ombros, apertei-a contra mim e com a mão esquerda comecei a abanar-lhe a cabeça com toda a força. A Si gritava mas não se conseguia soltar. Eu tinha a vantagem de ser mais alta. Estávamos a aproximar-nos da esplanada do Itália, que por sinal estava cheia, e conseguimos colocar toda a gente a olhar para nós. Parecíamos duas miúdas no recreio da escola. Tentamos acalmar-nos, sentámo-nos mas nem um segundo depois voltámos a rir perdidamente. Éramos felizes assim. Parvinhas, mas felizes.

5 comentários:

  1. muito bom
    continua assim
    segue a minha fanfic
    www.odestino23.blogspot.com

    ResponderEliminar
  2. Um capitulo de muito suspance. Ela agora não quer admitir que o ama :P

    ResponderEliminar
  3. Amei este capitulo, ou não seja Coimbra a minha cidade... Linda cidade dos amores.
    Fico ansiosa pelo próximo.
    Muito bom!!

    Elsa

    ResponderEliminar
  4. Desculpa perguntar, Ana, mas como através do teu blog que cheguei ao da BS... Não me sabes dizer como entrar em contacto com ela? É que vi agora que privatizou... :(

    Obrigada! Bjs*

    E parabéns pela tua fic! Escreves muito bem! ;)

    ResponderEliminar
  5. quero mais ana...tenho saudades de um capitulo fresquinho =P

    ResponderEliminar