segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Capítulo 15 - Vem com a gente

 

O regresso ao trabalho decorreu de forma positiva. Aquela folga, apesar de tudo, tinha-me feito bem para descarregar o stress que o trabalho naquela empresa me provocava. A sexta-feira foi passada a ler e-mails de vários órgãos de comunicação social que continham as mais variadas propostas para publicidade. Respondi a todas da mesma forma, dizendo que iríamos analisar o assunto e prometendo uma resposta breve. Imprimi todas as propostas e marquei uma reunião com o Dr. Gonçalves e o João do departamento financeiro para a segunda-feira da semana seguinte. Depois da divulgação na imprensa do evento com os miúdos, aquela era de facto uma boa altura para cativarmos novos potenciais clientes. Aproveitei também para solicitar no departamento de compras um novo número para o meu telemóvel. Dei uma desculpa esfarrapada, na qual toda a gente acreditou. Deram-me logo o novo cartão.

Saí da empresa meia hora mais cedo e fui a “correr” para Setúbal onde o Sporting jogava nessa noite. Cheguei já o jogo estava a começar. Fui vestindo a minha camisola pelo caminho. O cachecol já só o pus quando estava sentada. Foi um jogo morno que os leões conseguiram vencer por um a zero. Lembrei-me da conversa com o outro senhor no treino do Benfica e acabei por lhe dar razão. O Sporting começava a acusar algum nervosismo e eu temia que acabassem por perder a vantagem dos três pontos. Pelo menos a julgar por aquela exibição. E sobretudo tendo em conta que no fim-de-semana seguinte ia haver derby em Alvalade e nem sempre jogar em casa era um factor decisivo para a vitória leonina.

Nessa noite jantei sozinha, a Si tinha ido fotografar uma festa qualquer. Não me apetecia ver televisão e resolvi adiantar a minha leitura do “Música de Praia”. Era a segunda vez que estava a ler aquele livro, embora com uma distância de seis anos, mas a história era de tal forma entusiasmante que tudo me parecia novo naquela escrita. Adormeci no sofá com o livro em cima de mim. Foi a Si quem me acordou, já eram quase cinco da manhã. O dia de sábado foi um pouco aborrecido. A Si saiu pouco depois de acordar porque tinha novo trabalho. Eu almocei sozinha e aproveitei para arrumar a casa, com excepção para o quarto da Si onde nem sequer me atrevia a entrar, tal era a desordem. Roupa e sapatos em todo o lado, as toalhas do banho penduradas na porta aberta do guarda-fatos, e uns quantos papeis dos chocolates que a Si devorava constantemente. Se havia coisa que eu invejava na Si era ela comer tantas porcarias e continuar sempre magrinha. No quarto, a única área que estava arrumada era a secretária onde, além do portátil, a Si tinha impecavelmente bem organizados as suas máquinas, flashes, objectivas, cartões de memória e pastas com os seus portfólios. A fotografia e tudo o que lhe dissesse respeito eram sagrados para a minha amiga. Jantei novamente sozinha enquanto via o jogo do Benfica. Depois, aproveitei o tempo para informar todos os meus contactos profissionais de que tinha novo número e voltei a dedicar-me à leitura. Desta vez ainda estava acordada quando a Si chegou a casa. Vinha estafada e isso notava-se pela cara pálida, onde a única cor que sobressaía era a das olheiras profundas e arroxeadas.

- Boa noite – disse-me baixinho.
- Boa noite babe. ‘Tás exausta?
- Sim, estou. Vou tomar um banho e dormir que amanhã de manhã tenho novo trabalho.
- Mas é domingo.
- Pois, o dia certo para um qualquer famoso baptizar o filhinho – respondeu-me um pouco amargurada.
- Tu tens de abrandar miúda, qualquer dia cais para o lado.
- Não dá amiga, não posso recusar os trabalhos. Ainda por cima estes são muito bem pagos.
- Pois, mas o dinheiro não é tudo. E a profissão também não. Já pensaste que quase não tens tido vida pessoal. Há quanto tempo não saímos, não vamos dançar, não vamos ao cinema? Há quanto tempo não sais com um rapaz?
- Oh, deixa lá. Pelo menos sinto-me realizada a nível profissional.
- Sim, e daqui a cinquenta anos vais estar feliz… mas sozinha. Ah desculpa, sozinha não, com a tua companheira… essa coisa que tira fotos.
- Oh Kika… Para a semana já tenho uns dias de descanso. Quarta-feira vou para Coimbra e esqueço o trabalho.
- Ok, tu é que sabes. E amanhã, almoças comigo?
- Não. Mas devo ter a tarde e a noite livres.
- Melhor assim. Mas olha… qualquer dia, peço o divórcio. – Brinquei.
- Oh… és mesmo maluquinha. Vá, vou descansar. Boa noite.
- Boa noite, miúda.

Continuei na minha leitura até adormecer no sofá, onde fiquei a noite toda.

Acordei com uma terrível dor de costas. Antes de entrar na casa de banho percebi que a Si já tinha saído. Procurei um relógio e percebi que já passava das dez e meia da manhã. Tomei um duche, vesti-me e fui à padaria tomar o pequeno-almoço. Estava cheia, afinal era Domingo. Comi, bebi um café enquanto lia o jornal e saí depois de pagar. Era quase meio-dia. Estava a chegar ao meu carro, quando uma voz chamou por mim. Reconhecia-a, sorri e corei á velocidade da luz.

- Oi, tudo bom?
- Olá, David, como estás?
- Bem e você?
- Também. Parabéns pela vitória de ontem.
- Obrigada, lagartixa.

Sorrimos os dois de uma forma cúmplice. Estive quase tentada a pedir-lhe desculpa pela cena da quinta-feira anterior, a última vez que tínhamos estado juntos pessoalmente, mas a vergonha não me deixou.

- Já tomou café?
- Sim, acabei de tomar. Ia para casa agora.
- Hum… a sua amiga está esperando você para almoçar? – Perguntava ele meio envergonhado.
- Não, ela está a trabalhar.
- Mas é domingo.
- Pois, tu às vezes também não trabalhas ao domingo? São as consequências das profissões liberais – Sorri.
- Verdade. E aí, você quer vir almoçar com a gente?

Olhei em volta e não vi mais ninguém. Olhei para o carro dele e estava vazio.

- A gente quem?
- Desculpa… Comigo, com o Ruben e a Raquel, que é a namorada do Ruben. Vamos almoçar e depois jogar uma partidinha de bowling, você gosta?
- Gosto, mas só sei jogar na Wii. Digamos que a minha agilidade para pegar naquelas bolas não é muita…
- Não tem problema, a gente te ensina. E aí você aceita?
- Claro. Mas tenho de ir a casa primeiro. Só trouxe a carteira das moedas.
- Então eu vou com você, fico esperando e depois vamos juntos no meu carro.
- Não é preciso, eu posso levar o meu.
- Mas não tem necessidade, não.
- Ok. Vamos lá então.
- Espera um minuto que eu vou só lá dentro.

O David entrou na padaria e saiu com uma caixinha branca de papelão. Entrou no carro dele, eu entrei no meu e seguimos. Estacionamos em frente ao prédio onde eu moro. Pedi ao David que esperasse dois minutos e subi. Peguei todas as coisas que precisava em casa e saí rapidinho. Cheguei junto ao carro do David e entrei. O tema de conversa até chegar ao restaurante foi o óbvio: futebol. Falámos do Sporting e do Benfica, das exibições de ambos. Discutimos, rimos e provocamo-nos com piadas.

- Bem, ‘tou vendo que você percebe do assunto.
- Sim, tive uma boa professora. A minha mãe.
- Sua mãe. Puxa, por norma isso é assunto de pai, não?
- Machista! – sorri – O meu pai não discute futebol. Gosta muito do Sporting, mas só isso, lá em casa a ferrenha é a D. Maria.
- Tou vendo que na sua casa futebol é assunto de mulher.
- Podes crer.

Chegámos ao restaurante, onde o Ruben e a Raquel já nos esperavam. Não pareciam surpreendidos, por isso deduzi que o David já os tivesse informado da minha presença. A Raquel foi a primeira a dirigir-se a nós. Deu dois beijos ao David e ele entregou-lhe a caixa que tinha ido buscar à padaria. Ela abriu a caixa, sorriu e depois dirigiu-se a mim.

- Olá tudo bem? Sou a Raquel, muito prazer. – Dando-me dois beijos.
- Olá. Tudo e contigo. Ana, o prazer é meu.

Depois virou-se para o David

- Obrigada pelos melhores bolinhos de coco do mundo.

Entretanto o Ruben cumprimentava o David com um abraço e dava-me dois beijos.

- Olá Ana, tudo bem desde quinta-feira? – Perguntou-me num tom provocador.
- Olá Ruben. Sim, tudo bem – respondi sem adiantar conversa.

Denunciando que também ela sabia o que se tinha passado naquela quinta-feira, a Raquel, com uma simpatia extrema, agarrou-me por um braço e puxou-me, deixando os rapazes para trás, numa tentativa de desviar assunto. Ainda ouvimos o Ruben perguntar “que foi, mano?”, deixando perceber que o David não tinha gostado da pergunta.

- Ele avisou-te que vamos jogar bowling a seguir? -
- Sim, avisou.
- Então prepara-te para rires a tarde toda. Estes dois juntos são umas autênticas criancinhas.
- Imagino. Tu também costumas jogar?
- Claro, alguém tem de impor o respeito.
- Ok, então parece que eu vou ser a ovelha negra.
- Porquê?
- Porque eu sou uma nódoa a jogar bowling.
- Deixa lá. Também eu.

Sorrimos e entrámos. Apesar de ser Domingo, não havia muito movimento. Sentámo-nos e tivemos um agradável almoço, apesar das provocações constantes do David que fez questão de lembrar que eu era a única que não era benfiquista. Ainda o almoço não tinha acabado e “lagartixa” já era a minha nova alcunha naquele grupo.
No Bowling as coisas não podiam ter corrido pior. Por muito que me esforçasse para conseguir lançar aquelas bolas, a verdade é que os lançamentos estavam todos a sair-me ao lado. O melhor que me aconteceu foi ter derrubado dois ou três pinos na mesma jogada. O David e o Ruben riam descaradamente da minha aselhice e mais uma vez a Raquel salvou-me da situação.

- Va lá meninos, joguem agora sozinhos, que aqui as meninas têm muito que conversar.

E dito isto fez-me sinal para que nos sentássemos. Apesar de ter acabado de a conhecer, já gostava da Raquel. Era uma rapariga extremamente simpática, divertida e faladora. Era também inteligente e muito culta. Era linda, alta e morena. Tinha uns olhos verdes encantadores. O seu estilo “casual chic” e a maquilhagem simples realçavam-lhe a beleza. Estivemos imenso tempo a conversar. Por entre assuntos banais e temas sérios, íamo-nos rindo com as brincadeiras e discussões saudáveis do Ruben e do David, que entretanto tinham acabado de jogar e se juntaram a nós.

- Olha e se fossemos comer qualquer coisa? Este jogo abriu-me o apetite. – Perguntou o Ruben, após uma golada de água.
- Me parece bem, Manz. Olha Gustavo mandou mensagem dizendo que já tá em casa. Vamos até lá e comemos. – Respondeu o David, depois de pousar o telemóvel.
- Parece-me bem, mas tens de fazer aquele sumo de manga.
- Tudo bem Raquel. E você, lagartixa, vem com a gente?
- Só se parares de me chamar lagartixa. – Sorri.
- Não sei se consigo. – Disse-me com ar de gozo.
- Claro que vais, Ana, preciso de companhia para quando estes meninos se agarrarem à playstation para jogar futebol ou à Wii para jogar bowling. – Brincou a Raquel.
- Não sei, a Sílvia já deve estar em casa e nós não temos passado tempo nenhum juntas. – Lembrei-me que a Raquel e o Ruben não sabiam quem era a Si e terminei a frase. – Nós moramos juntas.
- Então, diz-lhe para vir também – respondeu o Ruben – a casa não é minha mas não há problema, pois não David?
- Não, claro. Assim a gente fica conhecendo ela.
- Ok, vou-lhe ligar.

Afastei-me e falei com a Sílvia, que facilmente se deixou convencer. Talvez as palavras que lhe dissera na noite anterior tenham ajudado. Saímos em direcção ao bairro e seguimos para casa do David. Pelo caminho lembrei-me que obviamente a Si não fazia ideia onde ele morava.

- David, tenho de explicar à Si onde moras e não faço ideia onde é.
- Então, você ‘tá vendo o prédio do lado oposto ao seu? É lá que eu moro. Tendo em conta o cruzamento da padaria, o caminho é o mesmo mas no sentido contrário.
- Ok, Já percebi. Vou-lhe ligar.

Liguei à Si e disse-lhe exactamente o que o David me tinha dito a mim. A minha amiga percebeu de imediato que a minha cabeça já estaria a magicar sobre aquela janela, que no entanto eu não sabia se era realmente a dele. Combinámos de nos encontrar à entrada do prédio do David. O carro do Ruben e da Raquel já estava estacionado, mas vazio, o que significava que eles já tinham subido. Aproveitei o momento a sós com o David e, tentando quebrar o gelo provocado pelo silêncio que se tinha instalado, aproximei-me dele e perguntei-lhe baixinho.

- Estás preparado para a desforra no bowling? Eu sou campeã na Wii.

Ele não se mostrou minimamente incomodado com a provocação, o que me fez corar ainda mais de vergonha. “Valia mais estares caladinha, Kika”. Mas uns segundos depois, já o David encostava a sua boca à minha orelha para me dar uma resposta completamente inesperada.

- Quem ganhar leva de prémio um beijo… nos lábios.

Senti-me totalmente desamparada, chegando a achar, por momentos, que as pernas me iam falhar de tanto que balançavam. Coloquei os olhos no chão e só voltei a levantá-los quando ouvi o barulho do carro da Si, que eu conhecia tão bem.

9 comentários:

  1. Oh que provocante é o menino David :D
    Lindo o capitulo como sempre

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  2. :D que lindo
    Quero mais, posta mais um hoje :)

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  3. Ai aquele David.
    Quero ver esse beijo :D
    Mais!

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  4. Posta mais um hoje!
    Ai gostei tanto!!

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  5. Ohh ceus...um beijo nos labios, o que eu me esforçava para vencer este jogo

    Marisa

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  6. uhuh..
    Publica mais, adoro a tua fanfic.

    Liliana

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  7. obrigada meninas

    sempre tão simpáticas. Logo ponho novo capítulo. desculpem, mas é-me impossível postar mais do que um capítulo por dia.

    beijinhos

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  8. Entao? Tou a desesperar por mais :D
    Adorei!

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