quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Capítulo 6 - O dia X


Depois de uma manhã estonteante por entre os inúmeros telefonemas feitos e a reunião geral realizada com os técnicos da Câmara Municipal do Seixal para confirmar tudo o que tínhamos planeado, eis que tinha chegado a hora de proporcionar às crianças de algumas escolas primárias do Seixal uma experiência inesquecível. Nada podia falhar pois caso contrário o Dr. Gonçalves ia matar-me. Apesar dos nervos estava com uma genica tremenda. Afinal de contas, se havia coisa que eu gostava era de trabalhar sob pressão. A adrenalina fazia-me bem, estimulava-me o cérebro e aumentava-me a produtividade. É certo que também me desgastava, o que fazia com que eu chegasse, normalmente, ao final do dia com pouca lucidez.
Como eram muitos miúdos de várias escolas primárias, o encontro ia realizar-se numa das escolas básicas do concelho. Por isso tínhamos optado por uma quarta-feira, à tarde, períofo em que os mais velhos não têm aulas. Quando cheguei à escola eram 13 horas e 30 minutos, já podia ouvir o entusiasmo das crianças. Tinham passado a manhã eufóricas, segundo os vários relatos das professoras que as acompanhavam. Já gritavam o nome dos jogadores. A imprensa também já tinha chegado. Eram imensos os jornalistas dos vários diários desportivos, generalistas, das rádios e das televisões. Eu sabia que o motivo da presença deles não era apenas o carácter didáctico do evento, mas sim o facto de terem ali o avançado do Sporting e o defesa central do Benfica para entrevistar quando faltavam apenas duas semanas para o derby lisboeta. “Que se lixe, desde que digam que eles estiveram aqui e falem na empresa é o que importa”, pensei antes de me dirigir a eles para os avisar que apenas podiam inundar os jogadores com perguntas no final do convívio, que iria consistir em distribuição de autógrafos, uma “peladinha” e uma sessão de perguntas feitas pelos mais novos aos seus ídolos. É óbvio que os colegas da comunicação social não acharam muita piada. “Pois, lamento, mas o mais importante aqui são as crianças e não o derby. Agora, com licença, tenho de ir tratar de umas coisas”, disse-lhes com uma autoridade que eles odiaram.
Pouco depois vi o carro do Paulo a chegar ao estacionamento. Dirigi-me ao portão, onde fui logo rodeada por fotógrafos, e fui recebê-los como era minha obrigação. Cumprimentei o Paulo com dois beijos e sorri para o David. Ele olhou-me, confuso.
- Você, por aqui?
- É verdade, o mundo é pequeno – disse-lhe, simpática – Já agora, apresento-me. Ana Moreira, sou a assessora de comunicação da empresa que está a apoiar o evento.
- David Luiz, defesa central do Benfica.

Sorrimos. Levei-os até à sala dos professores que estava agora transformada em sala oficial de recepção aos convidados. Tinha acabado de entrar quando recebi uma mensagem no telemóvel. Era a Cristina a avisar que estava a chegar com o Liedson. Fui buscá-los ao portão da escola e encaminhei-os para a sala. Enquanto o David e o Liedson se cumprimentavam, reuni o Paulo e a Cristina para lhes apresentar o programa. “No final, e já depois de falarem aos jornalistas, eles dirigem-se novamente para esta sala para que o senhor presidente da Câmara e o Dr. Gonçalves possam agradecer a presença. Questões protocolares, ok?”, conclui, sorridente. Fui lá fora, fazer sinal às professoras e auxiliares para que juntassem os miúdos e chamei o Liedson e o David, que saíram juntos da sala e se dirigiram ao jardim onde as crianças os esperavam. Soltou-se uma tremenda carga de energia positiva naquele jardim. Os miúdos estavam loucos, quase incontroláveis. Alguns permaneciam simplesmente incrédulos a olhar para os jogadores como se de uma obra de arte se tratasse. Liedson e David não tinham mãos a medir para tantos autógrafos e fotografias. Seguiu-se uma peladinha. “Não vale chutar na canela”, gritava o Liedson. “Se for nele, pode”, brincava o David. Mas o melhor estava para vir. Cinquenta crianças sentadas, esperando ansiosamente pela sua vez de pegar no microfone e fazer uma qualquer pergunta a um dos jogadores. Algumas das questões chegavam a ser constrangedores. Afinal, há alguma verdade mais pura do que a das crianças???
As duas horas de convívio tinham passado quase num ápice. Pouco depois das quatro da tarde o transporte escolar começou a recolher os mais pequenos. Afinal, era Janeiro, a tarde estava a tornar-se noite e o frio estava a intensificar-se. Foi então que Liedson e David se disponibilizaram para responder às perguntas dos jornalistas. Derby e mais derby, rivalidade, transferências no final da época, a disputa do primeiro lugar. “Oh, não tenho paciência para isto”, pensei. Fui ter com o Dr. Gonçalves e com o presidente da Câmara e fui-lhes fazendo umas perguntas para completar o meu comunicado de imprensa. Tirei umas fotos e escapei sorrateiramente para ir fumar um cigarro fora do recinto escolar. Aproveitei também para responder a umas mensagens que tinha no telemóvel. Voltei para dentro, fui lavar as mãos e coloquei uma pastilha na boca. “Até parece que cometi algum crime, mas não vá o Dr. Gonçalves chatear-me”. Regressei à sala, onde os jogadores chegaram pouco depois. Cumprimentos e mais cumprimentos, um brinde e o início das despedidas. O Liedson e a Cristina foram os primeiros a abandonar a sala.
- Obrigada Liedson mais uma vez pela presença. Espero que se tenha divertido.
- Não tem de quê. Me diverti, sim. Aliás como sempre. Cê depois manda as fotos para mim?
- Claro, para o mesmo e-mail, certo?
- Isso. Tem autorização para publicar fotos dos meninos?
- Claro. Todos os pais autorizaram. Aliás, de outra forma não poderia deixar que a imprensa tirasse fotos.
- Ok, então cê manda para mim, se faz favor, para a minha esposa colocar lá no site.
- Certíssimo – respondi – fui ver as outras do natal e estavam giríssimas.
- Muito obrigado, então.
- De nada, eu é que agradeço a sua presença. – Virei-me depois para a Cristina – E a si também, Cristina. Muito obrigada. Entretanto, farei chegar formalmente uma nota de agradecimento ao seu gabinete e ao do Sr. Bettencourt.
- Claro. Então até à próxima. Boa tarde.
Cristina e Liedson saíam da sala, enquanto Paulo e David se aproximavam de mim. Sorri-lhes.
- Doutora, parabéns pelo seu trabalho. Que grande convívio.
- Caro Paulo, muito obrigada. Mas evite as provocações.
Ele riu-se e o David continuava a olhar para nós confuso. Achei que era melhor centrar as minhas atenções nele.
- David, muito obrigada pela sua presença. Espero que tenha gostado da iniciativa.
- Por nada. Eu amei as crianças.
- Ainda bem. Fico satisfeita.
O Paulo afasta-se um pouco para atender uma chamada.
- E então, você tratou de consertar seu carro? – perguntou-me o David.
- É verdade, precisava mesmo de falar consigo sobre isso. Na verdade eu não mandei arranjar. Ficava muito caro e o carro já tem 20 anos, não valia a pena. Acabei por comprar um novo.
- Te devo um pedido de desculpas, pelo incómodo que te causei. Lamento mesmo.
- Não há problema, eu também tinha mesmo de comprar um carro novo. Foi uma boa oportunidade.
- Oh, nem sei como me desculpar mais. Só queria me redimir.
- Fica a dever-me um jantar, então. – Congelei. “Ups, nem acredito que disse isto”.
O Paulo desligou o telefone nesse preciso momento.
- Estava a brincar – Disse meia envergonhada. – Já está tudo resolvido.
- Jantar? Então, mas não estavam a falar do acidente? – Perguntou o Paulo. Fitei-o na esperança de que se mantivesse calado, mas ele nem fez caso e continuou. – Deixa-me dizer-te David que tu és um homem muito corajoso.
- Porquê?
- Então, para bater no carro desta mulher é preciso muita coragem. Sobretudo para ouvi-la e enfrentá-la depois disso.
O David riu-se, eu não achei tanta piada.
- Paulo, não me irrite.
- Vês, David? Era disto que eu falava. Ah e outra coisa… – aproximou-se do ouvido do David mas só para fazer a cena, porque continuava a falar no mesmo tom – … Ela é lagarta. Por isso, definitivamente, não vás jantar com ela.
- Pois, já sei que é – disse o David sorrindo.
- Sabes como?
O David nem precisou de responder. O Paulo de imediato se lembrou da conversa com a Si. Soltou uma gargalhada que colocou toda a gente a olhar para nós.
- Opá, espera lá, afinal tu não és corajoso, tu és o meu herói. Então tu bates-lhe no carro depois de ela ter visto os leõezinhos dela levarem na boca e ainda estás vivo? Tu és mesmo o meu herói. Epa, afinal ela tem razão. Tu deves-lhe mesmo um jantar.
Paulo e David riam-se com satisfação. Eu continuava a não achar piada à conversa. Aproximei-me do Paulo, peguei-lhe num braço e baixei o tom de voz.
- Paulo Leitão, eu juro que vou matar-te se voltas a abrir a boca.
- Oh Aninhas, calma, só preciso de dizer mais uma coisa. – Nisto, virou-se para o David e eu juro que fiquei com medo. – Ei, afinal tens mesmo de a levar a jantar.
- Estou a ver que sim – disse o David com um sorriso encantador.
Eu corei, devia estar vermelha que nem um tomate porque sentia um calor incrível nas bochechas. Queria dizer qualquer coisa, mas as palavras não me saíam.
- Ana, então, recebes um convite para jantar e não dizes nada? – perguntava-me o Paulo.
- Pois… ah… digo, quer dizer…ah…
Estava definitivamente sem resposta para dar.
- “Ana, importa-se por favor”. Ouvi a voz do Dr. Gonçalves e senti-o a aproximar-se de nós. Meu Deus, como aquele homem sabia estar no sítio certo à hora certa.
- Diga, Doutor.
- Ainda vai passar na empresa?
- Sim, claro. Quero preparar já hoje o comunicado para enviar à imprensa, por causa dos diários e de alguns jornais regionais que estão em fecho de edição.
- Muito bem, parece-me bem. Então faça tudo o que tem a fazer hoje e amanhã tire o dia de folga.
- Obrigada, Doutor.
- Não tem de agradecer. O esforço e a eficiência têm de ser compensados.
Voltei a corar. O Dr. Gonçalves não era o melhor patrão do mundo, mas com o mesmo à-vontade com que repreendia os empregados quando alguma coisa corria mal, também os elogiava quando tudo corria bem.
- Com certeza, doutor.
- Então, até sexta-feira, Ana.
- Até sexta-feira, Doutor.
- David, muito obrigada pela sua presença e veja lá se chegamos ao “bi” antes que se vá embora. – Disse o Dr. Gonçalves, benfiquista.
- Trabalhamos para isso, doutor.
- Vamos ver, vamos ver. – Virou-se então para o Paulo – E quanto a si, Leitão, marque lá um almoço para a próxima semana que temos uns assuntos a tratar.
- Claro, Gonçalves. Não se preocupe.
O Dr. Gonçalves saiu e eu estava super contente. Uma folguinha ia cair-me mesmo bem. Sobretudo a uma quinta-feira. Depois era só trabalhar um dia e chegava o fim-de-semana. Estava entretida com os meus pensamentos felizes, quando o David e o Paulo se despediram.
- Aninhas, mais uma vez parabéns pelo trabalho e boa folga.
- Obrigada Paulo. Assim que puder, enviarei um agradecimento formal para ti e para o Sr. Vieira.
- De nada. Fico à espera. Vamos, David?
- Sim, vamo. Ana, parabéns pelo óptimo trabalho. Estarei sempre disponível para participar. É só falar aqui com o Paulo.
- Obrigada, David. Os miúdos adoraram a sua presença e isso é realmente importante.
- Por nada. Obrigada, eu. Até uma próxima. E boa folga.
- Obrigada. – Sorri.
Eles afastaram-se, foram-se despedindo de todos pelo caminho até desaparecerem pela porta da sala. Eu fiquei ali, contente com o meu trabalho e com os elogios, mas completamente estoirada. Peguei na papelada e na máquina fotográfica e não resisti a espreitar uma foto do David a brincar com as crianças. Foi então que uma pergunta invadiu o meu pensamento: “Ei, e o meu convite para jantar?”. Bolas, ele já nem devia lembrar-se desse pormenor. E eu que tinha ficado tão entusiasmada. Suspirei de resignação e continuei entretida nos meus pensamentos, enquanto me dirigia para o carro. “És mesmo idiota, Kika, como é que podes ter pensado que ele estava a falar a sério? Alô… ele é o David Luiz do Benfica. Vai mas é trabalhar que ainda tens um texto imenso para escrever e três ou quatro fotografias para seleccionar, entre as quinhentas mil que tiraste”. Fumei um cigarro antes de entrar no meu carro e segui viagem até à empresa, sempre com a música em altos berros para me impedir de ouvir os meus pensamentos constantes… sobre o maldito jantar que afinal não ia acontecer.

4 comentários:

  1. Jane

    obrigada por leres e comentares a minha fic.

    vou tentar por outro capitulo mais logo.

    bj

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  2. Oláaaa... adoro a tua fic!
    emocionante!!!
    Passa também pela minha :)


    http://fall-for-you23.blogspot.com/


    Kusses

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  3. Obrigada Rita

    vou acompanhar a tua

    e vou colocar aqui a o link no meu blogue

    Bj

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