terça-feira, 7 de setembro de 2010

Capítulo 5 - Count Down

Aquela conversa com a Si tinha-me feito repensar no meu comportamento recente. Não podia continuar a deixar-me controlar pelas minhas feridas do passado e quanto mais depressa me tornasse uma pessoa bem resolvida comigo mesma, mais fácil se tornava voltar a ver o mundo às cores. No domingo, tinha acordado com uma vontade muito maior de sorrir. E assim, a semana seguinte passou num abrir e fechar de olhos. Nem sequer me chateei com o facto de só na sexta-feira o Paulo e a Cristina me terem dado respostas definitivas em relação à presença dos jogadores na iniciativa com os miúdos. Ainda para mais porque fiquei bastante contente com os nomes. Coentrão do Benfica e Liedson do Sporting. Dois excelentes jogadores, duas caras bem conhecidas e duas pessoas que me pareciam fantásticas. Tudo impecável. O fim-de-semana também tinha corrido às mil maravilhas. Tinha tido, mais uma vez, a Si para me acompanhar nas minhas constantes visitas por Lisboa. Fomos ao Oceanário. Que espectáculo. Os meus pais e a minha irmã vieram visitar-me e fomos todos a Alvalade. Desta vez os rapazes portaram-se bem. Venceram o Paços de Ferreira e fizeram esquecer aquela primeira jornada irritante. A luta pela liderança continuava acesa. O Benfica também tinha ganho, em Coimbra, frente à Académica, assim como o FC Porto e o Braga. Tudo normalíssimo. Tinha também comprado o carro novo. Os papás ajudaram a escolher e ainda pagaram a primeira prestação.
Por isso, a segunda-feira estava a ser calma. O Dr. Gonçalves andava contente com a minha eficiência, o que eram mais uns pontos a favor para conseguir tirar uma folguinha no dia seguinte ao evento.
Na empresa, as seis da tarde, eram a hora ideal para um café e um cigarro. Assim, a meia hora final passava num instante. Fui com o João às traseiras do edifício, onde apareceu também a Matilde. Eram cinco minutinhos que nos faziam tão bem. De regresso ao interior ouvi o meu telefone tocar. Subi as escadas a correr, abri a porta do gabinete e respirei duas ou três vezes antes de atender. Nem sequer olhei para o número antes de levantar o auscultador.
- Estou.
- Doutora Ana, como está?
- Oh Paulo, não seja irritante. – sorri – que me quer?
- Tenho duas notícias para si, uma boa e outra má. Qual quer ouvir primeiro?
- Minha nossa. – Pensei no evento e nem me apetecia continuar aquela chamada. “Estamos a menos de 48 horas de levar 50 crianças ao rubro e ele tem notícias para mim? Uma boa e uma má? Ui, isto promete”, pensei antes de responder. – Então, diga lá a má primeiro. Mas não me enrole, diga e pronto.
- Ok. Aqui vai. O Coentrão não pode ir. - Tinha dito aquilo com uma rapidez descomunal.
- COMO?? – Já me estava a sentir alterada. – Acho que não percebi bem. Faltam menos de 48 horas para o evento e tu estás-me a dizer que o Coentrão não vem? – Por momentos esqueci-me das formalidades. Ele também. Tratámo-nos por tu.
- Calma, Aninhas, calma. O rapaz não pode mesmo.
- Porquê? – perguntei de uma forma ríspida.
- Motivos pessoais.
- Sim, isso é o que dizem todos.
- Ana, não te esqueças que o Fábio tem uma filha de meio ano. – Respondeu-me irritado.
Se havia característica profissional que eu adorava no Paulo era a forma como ele defendia aqueles jogadores. Com unhas e dentes.
- Ok, é verdade. Tens razão. Desculpa. Alguma coisa grave?
- Não, consulta de rotina, mas ele quer estar presente, como qualquer pai.
- Ok, agora gosto ainda mais dele. Da próxima vez quero-o cá. Sabes que gosto de trabalhar com boas pessoas.
- Sim, Doutora.
- Vai à fava. E então?
- Então, o quê?
- Quem vem? Eu preciso de um jogador do Benfica às 14 horas na Escola, lembras-te?
- O David Luiz.
Respirei fundo. Tentei disfarçar qualquer emoção que pudesse estar prestes a transmitir.
- Parece-me bem. Os miúdos gostam dele, vão ficar muito contentes.
- É. Diz lá que eu não sou amiguinho, hã? E assim tens uma óptima oportunidade para resolver as coisas com ele.
- Que coisas?
- Então, sobre o acidente.
- O QUÊ? – Nem queria acreditar que estava a ouvir aquilo. – Como é que tu sabes do acidente? Oh, nem vale a pena dizeres nada. Foi aquela linguaruda com quem eu partilho tecto todos os dias, certo?
- Sim, foi – disse num tom ofendido – Já que certas pessoas se esquecem de que têm um amigo chamado Paulo.
- Oh, não é nada disso. Não tive oportunidade. Mas também não queria contar-te por causa da vossa relação profissional e da nossa relação pessoal e profissional. Oh, tu compreendes.
- Não, não compreendo. – Estava mesmo chateado.
- Ok, como quiseres. Mas agora bico calado, que eu resolvo sozinha. Portanto, muito obrigada pelas notícias que me trouxe, Dr. Paulo Leitão. Não quero atrasos na quarta-feira, por isso avise o seu jogador. E agora com licença que eu tenho que trabalhar mais, sei lá, duas horas, para alterar tudo o que estava planeado de acordo com a presença do Coentrão e não do David Luiz. Ok?
- Sim, Doutora. Adeusinho.
Não estava a gostar nada daquele tom. Ele estava mesmo chateado comigo. Tinha de fazer alguma coisa. Não gostava nada quando ficávamos “de trombas” um com o outro.
- Huuumm… Paulo?
- Sim.
- Quando eu for a caminho de casa… levo uma pizza ou uma lasanha para o jantar?
- Sei lá. Se fosse eu levava lasanha.
- Ok, então traz o vinho. Tinto. Lambrusco. Vou avisar a Si para pôr a mesa para as nove. – disse, satisfeita.
- Certíssimo. – Respondeu-me ele enquanto me fazia continência. Não vi, mas conhecia-o suficientemente bem para saber que o estava a fazer. Sorri.
Demorei mesmo mais duas horas a concluir o trabalho. Aquela alteração tinha dado cabo de mim. Tinha tudo planeado, a imprensa toda avisada da presença do Coentrão e tive de refazer tudo. Uma trabalheira. Mas… sentia uma pontinha de felicidade com aquela notícia. “Hum, vai ser bom voltar a vê-lo. Agora mais calma e mais sorridente. E, sim Paulo tens razão, é uma boa oportunidade para lhe dizer que afinal mandei «matar o meu bolinhas»”, pensei eu enquanto acendia um cigarro e me dirigia para o meu Seat Ibiza cinzento, novinho em folha.

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