domingo, 5 de setembro de 2010

Capítulo 3 - Acidentalmente…

A sexta-feira tinha tudo para ser fantástica. Apesar do frio terrível que se fazia sentir, a chuva tinha parado e o sol brilhava lá fora. Saí de casa bem-disposta. Ia fechar o capítulo “jogadores presentes na festa dos meninos” para começar a tratar dos comunicados de imprensa, ia ver o Sporting jogar contra o Braga e ia encomendar uma pizza para mim e para a Si. Tudo perfeitamente bem planeado. Mas a vida nem sempre corre como nós queremos…
Às seis da tarde, já me tinha transformado numa pessoa mal-educada e antipática. O colega do departamento financeiro ligou-me, como faz todos os dias, para irmos beber um café e fumar um cigarro e a única resposta que me saiu da boca para fora foi “João, não me chateies”. E pousei o telefone com tanta força que ele de certeza que ouviu no gabinete dele.
Não tinha ainda as respostas definitivas dos clubes sobre a presença dos jogadores e por isso não podia começar a preparar os comunicados para a imprensa; o meu chefe estava de mau humor e já me tinha irritado com a típica frase dele “Ana, tem de ser mais agressiva profissionalmente”, e o meu telefone não parava de tocar com mensagens de um certo sacana que há sete meses me tinha feito sofrer como nunca pensei ser possível. Estava com esperanças que o Sporting me fizesse feliz, ao final do dia.
Saí da empresa eram quase sete. Pelo caminho o meu telemóvel voltou a tocar. Nova mensagem: Vá lá, responde. Preciso mesmo de voltar a falar contigo. Vi-te em Coimbra no Natal e adorei. Ainda te amo. Perdoa-me por favor. Passei-me completamente. Estava farta dele e das mensagens dele. Tinha passado sete meses a tentar esquecê-lo, a tentar esquecer os sonhos que pareciam tão próximos de se realizarem, a tentar esquecer tudo e aquele porco não parava de me mandar mensagens na última semana. Tentei e tinha conseguido esquecer, mas aquela insistência estava a fazer-me relembrar de coisas que não queria e isso começava a tirar-me do sério. “Filho da puta”, gritei enquanto abria o vidro do carro. Peguei no telemóvel, olhei pelo retrovisor para me certificar que não vinha ninguém atrás e atirei-o com toda a força que tinha. Deixei cair duas lágrimas, mas limpei-as de imediato. “Que dia este. O que pode correr pior?” voltei a gritar e coloquei o rádio em altos berros. Mandei uma mensagem à Si do telemóvel da empresa a dizer que chegava tarde mas a horas de levar uma pizza para a ceia.
  Fui direita ao Alvaláxia onde comi um hambúrguer à pressa e entrei para a bancada. Sentei-me, enrolei o cachecol ao pescoço e assim que comecei a ouvir os cânticos da Juve Leo fiquei animada. Apesar de odiar claques, os cânticos mexiam com as minhas emoções. O jogo foi intenso, cinco golos ao todo. Dois para o Sporting e três para o Sporting de Braga. “Começar o ano a perder é impecável”, pensei eu cinicamente para com os meus botões por entre a multidão que, cabisbaixa, abandonava o estádio. Entrei no meu “bolinhas” e segui para casa.
Cheguei ao bairro e juro que por momentos estava a ouvir o meu telemóvel (aquele que foi janela fora) outra vez. Afinal não, era uma música com uma melodia muito semelhante que começava na rádio. Para fugir às más lembranças resolvi mudar de estação. Distrai-me de tal maneira com o rádio que me assustei quando ouvi um chiar estrondoso de uns pneus. Olhei para o meu lado direito e vi um carro branco enorme prontinho a bater no meu pequeno Clio. Gritei, travei, agarrei-me ao volante com toda a força, encostei-me totalmente à porta e pensei “vou morrer”. Depois o estrondo e o balanço do carro. Tudo numa questão de segundos.
Abri os olhos com dificuldade, sobretudo porque as lágrimas que me caíam cara abaixo tornavam tudo demasiadamente baço. Abri a minha porta, saí do carro, fui até ao outro lado e vi o meu “bolinhas” todo amassado. Não conseguia parar de chorar. Reparei que alguém tinha saída do outro carro. Nem sequer olhei. Ia explodir de raiva e estava a tentar controlar-me. Mas ouvi-o dizer “Me desculpe, você está bem? ‘Tá machucada?”. “Sim e não”, respondi friamente. Dei dois murros no capôt do carro e continuei a chorar compulsivamente. Voltei ao carro, tirei o telemóvel da empresa, que coloquei no bolso, e acendi um cigarro. Acalmei-me. Então, já sem lágrimas olhei para o “anormal” que me tinha mandado uma “passa” no carro. E não contive um sorriso nervoso, cínico e arrepiante. O “anormal” que tinha batido era só o David Luiz do Benfica. Ali à minha frente, branco como a cal da parede, com os olhos esbugalhados de tanta culpa e preocupação
-Era só o que me faltava hoje. O meu carro todo amassado. Mas que merda de dia. Minha nossa, que pesadelo!
- Me desculpe. Eu ainda tentei travar, mas já não deu.
- Mas tem ali um stop, não tem? Era suposto parar.
- Sim, mas eu juro que não vi você. Do nada você aparece e… meu Deus… me desculpe.
- Ok, ok. Não vale a pena discutir agora. Já está, já está e está perfeito assim. – voltei a ser cínica.
- Mas, não se preocupe, chamamos a polícia, eu assumo a responsabilidade e aí eu pago tudo.
- Ouça… – respirei fundo – eu tive um dia muito complicado. Eu tenho seguro, o senhor tem seguro, assinamos um acordo e pronto. Eu só quero ir para casa e esquecer este dia, ok?
- Como quiser.
Fui ao carro buscar a papelada para preencher, as luzes do meu carro mantinham-se ligadas – o que era bom sinal – e desliguei e voltei a ligar a ignição. Trabalhava. “Pelo menos dá sinal de vida”, resmunguei. Peguei na papelada e saí. Estávamos a preencher o acordo e eu senti o meu telemóvel vibrar. Era a Si. Atendi.
- Olá miúda. – disse com uma voz amarga.
- “Qué passa, babe? Aconteceu alguma coisa?”
- Tudo, aconteceu tudo hoje Si. – Estava a ficar alterada novamente e não consegui evitar as lágrimas.
- “Kika, que foi?”
- Opa, tu não vais acreditar nesta merda. – E comecei a relatar, sem me lembrar sequer que tinha ao meu lado o David Luiz – O trabalho correu pessimamente mal, esta gente não sabe cumprir datas, o Dr. Gonçalves passou-se da pinha e deu-me uma daquelas lições de seca descomunal, o telemóvel não parou de tocar com mensagens do outro sacana. Atirei-o janela fora.
- “Tu fizeste o quê?” – Gritou-me a Si do outro lado da linha.
- Estava farta de o ouvir. Fui para Alvalade, aqueles anormais perdem a porcaria do jogo e estou quase a chegar a casa e sou abalroada por outro carro. Chega para justificar a neura?
- “Mas estás bem? Magoaste-te? Vou já ter contigo.” – Ela estava a ficar preocupada.
- Calma. Estou bem, estou perto, estou a resolver o assunto. Tenho o carro amassado, mas o choque foi do lado do pendura.
- “Bem, e o outro condutor ou outra condutora?”
- Sim, essa é a parte linda da história.
- “Porquê?”
- É o David Luiz. – nem olhei para o lado. Do outro lado da linha a minha amiga começou a rir perdidamente, mas tão alto que se ouvia perfeitamente bem mesmo sem o altifalante ligado. Tentei a todo o custo fazê-la parar. E voltava a ficar nervosa e as lágrimas voltaram a sair-me. Só quando me ouviu fungar parou.
- “Kika?”
- Sílvia, eu digo-te que tive um dia terrível que quase terminou em tragédia, e tu ris-te? Depois de ver o Sporting levar na boca eu ia morrendo abalroada pelo carro do defesa central do Benfica e tu ris-te? Uma águia ia-me levando desta para melhor e tu não paras de rir?
Nova gargalhada. Ainda mais sonora. Ela não conseguia parar de rir. Eu, entretanto, meia envergonhada, olhei para o David Luiz, que estava ainda mais assustado, e disse “Desculpe”.
-“Estás a falar comigo?”, perguntou a Si, agora mais controlada.
- Não. Estou a falar com a águia.
Rimos as duas descontroladamente. Também o David Luiz esboçou um tímido sorriso. Disse à minha amiga que estava tudo bem e desliguei. Voltei para junto do David e desculpei-me.
- Peço imensa desculpa pela falta de educação. Meu Deus, desculpe, a sério. Os nervos descontrolam-me o pensamento e a boca. Eu estava a brincar, na verdade, e apesar de ser Sportinguista, tenho o maior respeito pelo seu clube e pelo seu trabalho.
- Não tem mal, não. Já deu para entender que o seu dia foi bem puchado.
- É, foi mesmo. Vamos lá tratar do acordo, está bem?
- Tudo bem.
Acabámos de preencher os papéis e preparámo-nos para ir embora. Continuava nervosa. Agora, não pelo dia, mas por estar ao lado do David Luiz. “Bem mais giro ao vivo”, pensei sem evitar um pequeno sorriso. Se havia algo que eu gostava naquele clube, era sem dúvida aquele defesa central. Aquele corpo, aqueles caracóis, aqueles olhos, aquela voz.
- Está tudo, então? – Perguntou-me depois de assinar.
- Sim. Está tudo.
- Ok. Mais uma vez me desculpe. Se tiver algum problema com o seguro, com os custos, por favor, me avise, tá bom?
- Ok. Está desculpado. E eu também mais uma vez lamento a falta de educação. Aliás, nem lhe perguntei. Magoou-se?
- Não, estou óptimo.
        “Pois estás. Perfeito”, pensei eu, esboçando novo sorriso.
- E você, tá rindo novamente, o que já não é tão ruim assim.
- É. Dias maus… acontecem a toda a gente, não é?
- Verdade.
- Olhe, foi um prazer conhecê-lo apesar de ter sido assim. Boa sorte a nível profissional, mas por favor não volte a marcar ao meu Sporting, está bem?
- Não prometo – respondeu ele com uma gargalhada.
- Estava a brincar.
- Eu não. – Nova gargalhada.
        Despedimo-nos, entrámos dentro dos carros, e seguimos caminho. Eu à frente, ele a seguir. Chegámos ao fundo da rua, eu virei para a direita, ele virou para a esquerda. Acendi um cigarro e olhei pelo retrovisor. Sorri… só de pensar no sorriso dele.
        Entrei em casa e abracei a minha amiga com todas as minhas forças. Nem precisei de lhe dizer, ela sabia que eu estava desesperadamente à procura de conforto. Fomos para a sala, ela sentou-se no sofá e eu deitei a cabeça no colo dela. Estava mesmo a precisar de mimos, e nisso a Si era perita.
- Obrigada, Si.
- De nada, Dona Ana, agora vais ter é de me contar melhor essa história hilariante com o David Luiz. Desmaiaste?
- Pára, Si, estou muito cansada.
- Oh, mas afinal terminou bem o teu dia terrível. – Usava um tom irónico.
- Achas?
- Sim, pensa em quantas meninas não estarão loucas para levar com o David Luiz. – soltou uma gargalhada.
- Sílvia Maria – disse, zangada – o meu carro levou com o do David Luiz, não fui eu que levei com o David Luiz. E podia ter sido com o Papa que era exactamente igual.
- Nããããoooo. O David Luiz é bem mais bonito que o Papa. Kika, tu sabes que eu não percebo nada de futebol, mas olha que de homens lindos percebo eu. E para a próxima, vê lá se esses acidentes só acontecem se eu estiver contigo.
        Levantei-me, olhei para a minha amiga, caminhei enfurecida em direcção à porta da sala. Antes de sair, voltei-me para trás.
- Vai à merda. – sorri e mandei-lhe um beijo.
Deitei-me exausta. Nem sequer peguei no meu livro. Tinha o cérebro demasiadamente cansado para leituras. Sentia todas as informações sobre aquele dia num rodopio dentro da minha cabeça. Tentei esquecer tudo o que era mau e lembrar-me apenas daquele sorriso bonito. Fechei os olhos e ainda ouvi a Si passar pelo quarto para me dizer um “boa noite” sereno e cheio de amizade. Sorri e adormeci deliciosamente.


5 comentários:

  1. Olá! Vi o teu comentário e vim aqui ler a tua fanfic
    Adorei, a partir de agora venho sempre ver se puseste mais capítulos :)

    Obrigada pela tua visita, podes contar com as minhas

    Parabéns ^^

    Beijinho :)

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  2. ADOREI ESTE CAPITULO :D
    só te digo uma coisa ...

    CONTINUA ! :)

    beijinhos .
    http://sofiarc.blogspot.com/

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  3. Olha é para informar que já postei mais um capítulo. Agora és capaz de adivinhar o meu ídolo, embora ele ainda não faça parte da história, está lá uma enorme pista que está relacionada com ele +.+

    Espero que gostes :)

    Parabéns pela tua *.*

    Beijinho ^^

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  4. Escreves muito bem :) estou a adorar a tu história

    Ana Mar

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  5. Obrigada a todas meninas

    Amanhã vou tentar pôr mais um capítulo.

    Prometo continuar a acompanhar as vossas histórias. Se ainda não tiver adicionado os vossos links aqui no blogue avisem-me que eu coloco.

    Beijinhos

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