segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Capítulo 9 - Podemos mudar de assunto?


Ainda não tinha respondido à pergunta do David. Na verdade, não sabia muito bem que resposta dar. Sem dar sequer por isso, os meus pensamentos centraram-se naquele mês de Junho que tinha mudado a minha vida. Estava perdida em recordações quando o David me chamou à realidade.

- Desculpe, perguntei alguma coisa de errado?
- Não, claro que não
- Não queria ser indelicado.
- E não foste. Mas respondendo à pergunta… sim, vim para Lisboa sobretudo por motivos profissionais. Tive esta proposta de trabalho e decidi aceitar. Apresentei a minha demissão no local onde estava antes, trabalhei os dias obrigatórios por lei e vim para Lisboa.
- Mudou para melhor, então?
- Sim, melhores condições, melhor ordenado e sobretudo pagamento a horas.
- E sua vida pessoal, como ficou com essa mudança?

Voltei a demorar a dar a resposta.

- Ficou normal. A família e os amigos perceberam que era uma mudança para melhor e continuam lá sempre que preciso deles.

Da forma como o David olhava para mim, percebi que ele queria algo mais daquela resposta.

- Queres saber se ficou alguém para trás?
- Desculpa, não devia ter perguntado, não… mas não pude deixar de perceber, no dia do acidente, que havia alguém…

A perspicácia deste rapaz estava a deixar-me desconfortável. Decidi, no entanto, arriscar falar sobre o assunto.

- Havia. Aliás, houve. Mas deixou de haver ainda antes de eu vir para Lisboa. E sim, não acabou bem, foi difícil, e sim, vir para cá acabou por tornar tudo muito mais fácil.

Estava a falar de um modo mais agressivo do que o normal e quando me apercebi disso temi que estivesse prestes a estragar o bom ambiente daquele jantar. Sorri para quebrar o gelo.

- E então, podemos mudar de assunto? Que tal falarmos sobre ti agora? – Perguntei em jeito de brincadeira.
- Claro, desculpa. O que você quer saber?
Aproveitei a chegada do empregado com os pratos que havíamos pedido para pensar numa resposta que pudesse quebrar a tensão instalada e mudar o rumo daquela conversa.

- Hum… quando assinas pelo Sporting?

Soltámos uma gargalhada conjunta.

- Bem, o futuro a Deus pertence, mas eu penso que isso não vai acontecer nunca…
- Pois, é uma pena.
- E que mais quer saber?
- Bem isto parece um inquérito, mas ok, vamos lá. Hum… que projectos ou sonhos tens para além do futebol?
- Então, eu amava criar, lá no Brasil, um projecto social para as crianças mais desfavorecidas. Por enquanto não passa ainda de um sonho, mas se Deus me ajudar vou conseguir com certeza…(pausa)… Que foi, que cara é essa?
- Nada, desculpa. Estava só aqui a pensar como de facto não podemos estereotipar as pessoas. Por norma, pensamos na resposta que qualquer jogador de futebol daria a esta pergunta e imaginamos qualquer coisa como “ah, vou abrir uma loja de roupa, um restaurante, comprar um iate” ou qualquer outra forma de esbanjar tanto dinheiro ganho em tão poucos anos. De repente ouvir uma resposta destas faz-me bem
- Te faz bem? porquê?
- Não sei… faz-me acreditar que ainda há quem não venda a alma ao diabo a troco de uns milhões, sei lá faz-me acreditar que ainda há quem se deite numa cama de ouro sem esquecer que há quem tente dormir num qualquer pedaço de papelão colocado à beira de uma estrada… faz-me acreditar que afinal aquele carrão topo de gama pode estar a ser conduzido por um bom carácter e um bom coração… e isso é bom. Eu sei que cada um deve usar o seu dinheiro como bem entender, e eu não quero parecer pseudo-moralista, porque também gasto muito futilmente algum do meu dinheiro, mas sejamos sinceros, por norma as pessoas esquecem rápido as suas raízes…
- Sim, é verdade. Mas há pouco você disse uma coisa acertada. Não podemos estereotipar as pessoas. Por entre os milhões que envolvem o futebol também existe gente boa, com bom coração…
- Sim, não duvido, mas serão uma minoria com certeza.
- Ah, você tem que dar mais o benefício da dúvida.
- Pois, o Paulo está sempre a dizer-me o mesmo.
- Engraçado, você escuta muito o que o Paulo diz?
- Sim, muito, ele é realmente um bom amigo, sobretudo porque não está sempre de acordo comigo, pelo contrário, e isso é bom, ajuda-me a crescer.
- Vocês se conhecem, faz muito tempo?
- Praticamente desde que eu vim para cá trabalhar. A Si conheceu-o numa sessão fotográfica que fez com os jogadores do Benfica no Estádio da Luz e tornaram-se logo amigos. Eu conheci-o depois quando ele foi lá jantar a casa – (pausa) – Espera lá, tu deves conhecer a Si, foi no início desta época que ela fez as fotos para um livro sobre o clube.
- Hum… deixa eu ver. Ela é assim bem pequenina e magrinha, de cabelo escuro meio ondulado?
- Isso mesmo. É a minha Si.
- É, eu lembro dela. Muito profissional, muito exigente. Aliás, agora eu entendo porque vocês são amigas e moram juntas…

Ambos sorrimos. A conversa continuou por entre piadas e assuntos banais. A comida estava maravilhosa, como de resto acontecia sempre naquele restaurante, um dos preferidos da Si. Estava a gostar imenso de conhecer um pouco melhor o David Luiz. E estava a gostar de conhecê-lo assim, sem flashes por perto que me recordassem que aquele era o defesa central do Benfica. Naquele momento ele era apenas o David Luiz. Nem mais nem mais que a Ana Moreira. Havia apenas uma coisa que me fazia imensa confusão: as quinhentas mil referências que ele fazia a Deus durante a conversa.

- David, desculpa a pergunta parva, mas tu acreditas mesmo naquilo que dizes cada vez que falas sobre Deus?
- Claro, mas como não?! Tudo aquilo que eu sou e que de bom tem acontecido na minha vida eu devo sobretudo a Ele. Mas porquê, isso te incomoda?
- Não, não. E não te ofendas, por favor. Mas quando te ouço falar assim, sinto… sei lá… uma mistura de admiração com… hum… raiva.
- Mas porquê? – Perguntou-me de olhos esbugalhados.
- Olha porque acho mesmo espectacular que tenhas assim uma fé tão inabalável, mas por outro lado é isso mesmo que me faz confusão… que ela seja inabalável… Desculpa, não sei se me faço entender…
- Já entendi, ou você não tem fé ou ela está muito abalada, é isso?
- Sim, é isso. Só não sei qual delas. E faz-me confusão ver alguém tão crente. Tu nunca duvidas, tu nunca pões em causa?
- Não…
- Nem nos momentos mais difíceis…
- Não, sobretudo nos momentos mais difíceis é quando minha fé cresce, porque aí eu sei que Ele está me pondo à prova.
- Oh, então Ele deve estar sempre a pôr-me à prova. Ou então tem-se esquecido de mim…
- Não, não diz isso, Deus não esquece ninguém… Você tem de confiar n’Ele, mesmo quando te parece que está ausente, Ele está lá junto a você
- Espero que sim… mas não tem sido fácil acreditar nisso.

Olhei para o relógio. Estava a sentir-me cansada, e apesar de saber que no dia seguinte podia dormir até mais tarde, estava mesmo a precisar de me deitar. O David percebeu isso.

- Está ficando tarde para você?
- Sim, desculpa, mas é que estou mesmo cansada. Hoje foi um dia daqueles. E se calhar também já é tarde para ti, não?
- È, já vai ficando na minha hora. Amanhã treino de manhã.

David fez sinal ao empregado que, com a mesma eficiência com que nos atendeu durante o jantar, nos trouxe a conta. Assim que ele colocou a pastinha em cima da mesa, eu e o David, numa sintonia perfeita, colocámos as nossas mãos para tirar o talão e dissemos ao mesmo tempo “Eu pago”.

- Não, Ana, eu convidei você para jantar por isso eu pago.
- Desculpa, David, mas fui eu quem falou no jantar.
- Mas eu ia convidar você na mesma.
- Ah, não me mintas. Pagas para a próxima.
- Não, pago hoje. Você paga na próxima.
- Ah, tu és teimoso.
- E bastou esse jantar para você perceber? Você é perspicaz! – Sorriu.

O David pagou a conta e saímos. Era quase meia-noite e por isso o restaurante estava praticamente vazio. Saímos juntos, e dirigimo-nos ao estacionamento. Parámos junto ao meu carro.

- David, muito obrigada pelo jantar, pela companhia. Obrigada mesmo.
- Eu é que agradeço. Foi muito legal. Fico esperando pelo próximo.
- Pelo próximo?
- Sim, você falou em “pagar para a próxima”? – Sorrimos.
- Sim, é verdade.
- E dessa vez você convida e escolhe o sítio.
- E pago.
- Combinado.

Íamos aproximarnos para nos despedirmos quando o David parou, olhou para mim e me fez um sinal com a mão para eu esperar. Voltou-se e começar a andar em direcção ao restaurante.

- Onde vais?
- Me dá um minuto. Esqueci de uma coisa lá dentro.

Quase inconscientemente percorri-lhe o corpo, não lhe faltava nenhuma peça de roupa, tinhas as chaves do carro, a carteira e o telemóvel na mão. “Mas que raio lhe falta?”, pensei eu intrigada, “nada, não lhe falta absolutamente nada, está óptimo assim”. Ri-me sozinha e rezei para que ninguém aparecesse ou iria ficar a pensar que eu era maluquinha. O restaurante já estava fechado, as luzes quase todas apagadas. O David tinha entrado e eu consegui perceber a sua silhueta na sala onde jantámos. Desligou a luz, vi-o caminhar em direcção à saída do restaurante. Ele abriu a porta e saiu a sorrir. “Não pode ser”, pensei enquanto sentia um enorme calor tomar-me conta do rosto. Ele caminhou em direcção a mim, parou e continuou a sorrir.

- Me esqueci disso em “Nova Iorque”. É para você.

Ele tinha ido buscar a rosa vermelha que estava na jarra em forma de “Estátua da Liberdade”. Eu estava simplesmente sem palavras. Estiquei o braço, peguei na rosa e cheirei-a.

- Obrigada, David… muito obrigada. Estou sem palavras.
- É para me desculpar por ter destruído o seu carro e para agradecer a ideia brilhante desse jantar.
- Bem, nem sei o que dizer.

David olhava para mim com aqueles olhos enormes e eu continuava petrificada, sem reacção. Estava encantada com tanta beleza, tanta simpatia e tanta cortesia. Não conseguia dizer mais nada, mas o pior é que também não conseguia parar de olhar para aquela cara perfeita. Foram apenas alguns segundos, mas de uma intensidade tal que ambos nos assustámos quando o meu telemóvel da empresa começou a tocar. Fiquei furiosa, mas também preocupada. Não era normal alguém ligar àquelas horas para aquele telemóvel. Já passava da meia noite.

- Desculpa, David, pensei que tinha tirado o som. Mas quem é que me está a ligar a esta hora para o telemóvel da empresa? – Perguntei já meio nervosa.
- Se calhar é melhor atender, pode ser importante.
- Mas já passa da meia noite. Isto não são horas de ligar a ninguém, muito menos para um telemóvel de trabalho.
- Sim, mas eu por exemplo só tenho esse seu número…
- Sim, é verdade, mas disso já tratamos, já te dou o meu pessoal.

Com aquela conversa com o David o telemóvel tinha parado de tocar. Voltei a colocá-lo na carteira, na esperança de que fosse engano, mas cinco segundos depois e lá estava ele novamente a dar sinal de vida.

- Bem é melhor atender. Desculpa, dá-me só um minuto, David.
- Eu espero, não tem problema.
- OK – peguei no telemóvel e atendi. – Estou?

Nem um segundo depois e começava a sentir o meu coração a congelar, as minhas pernas ficaram sem forças, senti-me meio zonza, um ódio turvou-me a visão, e as lágrimas começavam a teimar em sair.

- Como é que tu arranjaste este número? – Perguntei completamente furiosa.

Olhei para o David, ele continuava ali do meu lado, agora ainda mais intrigado que eu. Perguntou-me, apenas com o movimento dos lábios, se estava tudo bem. Respondi-lhe, da mesma forma, que sim, mas as lágrimas que me corriam pelas maçãs do rosto não me deixavam continuar a mentir. “Não”. Foi uma nova resposta para o David e para aquela pessoa que eu tinha do lado de lá da linha.

4 comentários:

  1. Olá Ana M. costumo ir ao chat do blog do david luiz.
    Adoro a tua fan fic... continua.
    ansisosa pelo próximo capítulo
    beijinhos SP

    ResponderEliminar
  2. Excelente esta fanfic, a melhor a meu ver, muito bem escrita e grande qualidade de ideias, Parabéns vou ser sempre uma seguidora atenta.

    ResponderEliminar
  3. Olá

    muito obrigada pelos comentários, mesmo.

    beijinho

    ResponderEliminar
  4. Como o prometido é devido, aqui estou eu para comentar.
    Ó Ana então chega uma pessoa pela manhã ao trabalho, vai-se actualizar das fics e encara este capitulo tão lindo, tão emocionante. O meu coraçãozinho fica emocionado só de imaginar viver essa história ao vivo.

    Marisa

    ResponderEliminar