sábado, 18 de setembro de 2010

Capítulo 13 - Porque raio me trouxeste para aqui?

 

Saí do carro e podia sentir o meu coração bater a um ritmo alucinante. As borboletas tinham voltado a dançar no meu estômago e uma espécie de vergonha apoderava-se de mim. O meu cérebro, esse, nem dava sinal de vida. E foi assim, sem pensar, que fui à descoberta da porta de acesso às bancadas. Entrei sorrateiramente e sentei-me no primeiro lugar que estava vago. Não queria incomodar, não queria chamar à atenção e, sobretudo, não queria por nada deste mundo que o David me visse. Fiquei ali silenciosamente a apreciar os exercícios que o treinador começava a ordenar aos jogadores. O treino tinha acabado de começar. As bancadas não estavam cheias mas tinham pessoas suficientes para tornar cada cântico de apoio aos jogadores e ao Benfica num autêntico tormento para os meus ouvidos. “Mas o que é que tu estás aqui a fazer, Kika Maria?”, questionava enquanto acendia um cigarro. Estava um frio tremendo e eu começava a sentir as minhas mãos geladas. Apaguei o cigarro e calcei as minhas luvas de pêlo. Já tinha passado mais de uma hora de treino quando Jorge Jesus deu instruções aos jogadores para que iniciassem uma peladinha. O público ficou ao rubro, os cânticos foram entoados com mais força e os jogadores iam agradecendo os aplausos enquanto bebiam uns goles de água. Eu continuava ali com o meu cérebro completamente desligado.

- Este ano o campeonato é nosso outra vez. – Dizia-me o senhor que estava sentado ao meu lado, todo equipado.
- Hum, hum … – rosnei eu por entre sorrisos amarelos.
- Aqueles lagartos ainda hão-de escorregar. – Continuava o senhor.
- Hum, hum…
- Eles ainda vão perder até ao final do campeonato. E são só três pontos de avanço. Eles não têm pedalada.
- Hum, hum…
- A menina é mesmo uma benfiquista ferrenha…
- Desculpe? – Perguntei, quase a deitar fumo pelas orelhas de tanta irritação.
- Então, eu estou aqui a falar consigo e a menina só diz “hum, hum. Hum, hum”, nem tira os olhos do relvado.
- Desculpe, não queria ser mal-educada. Mas de facto estava mesmo concentrada no treino – respondi-lhe, tentando esquivar-me da conversa.
- Não faz mal. Eu gosto que o meu clube tenha adeptas assim.
- Hum, hum… – Sorri – Claro, com certeza.

O senhor lá deve ter percebido que eu não estava para conversas e não voltou a dirigir-me a palavra. E eu pude voltar a centrar, verdadeiramente, toda a minha atenção… não no treino, mas naquele número 23.

O treino tinha acabado e os aplausos tinham-se tornado ensurdecedores. Os jogadores saíram do relvado e o público abandonou massivamente as bancadas. Eu estava tão entretida nos meus pensamentos que me deixei ficar ali. Quando me apercebi que estava sozinha apressei-me a sair. Entrei dentro do complexo e procurei desesperadamente a porta de acesso ao parque de estacionamento, pela qual eu nem me lembrava de ter entrado. Olhava para todo o lado e não conseguia ler a palavra “saída” em lugar algum. Finalmente, houve um letreiro que me chamou à atenção. “Porra, parece que és cega, Kika”. Iniciei um passo acelerado em direcção à porta e quando me preparava para a empurrar apanhei o maior susto da minha vida.

- Dra. Aninhas… por aqui?
- Merda - Soltei muito baixinho e virei-me. Não podia fingir que não conhecia aquela voz.
- Olá Paulo – disse meia envergonhada – sim, vim… aannhhh… vim… (estava completamente gaga)
- Ver o treino?
- Não – retorqui de imediato – Quero dizer sim. Mas foi uma coincidência. Aanhhh…

O Paulo soltou uma gargalhada que ecoou por todo o edifício.

- Não me mintas Kika, eu sei bem que vieste ver o David.
- Oh, não é nada disso.
- Ai não, então é o quê?
- É que… eu…. eu…
- Agora és benfiquista?
- Credo – e fiz-lhe uma cruz com os dedos – Deus me livre.
- Não metas o nome do Senhor no meio das tuas maluqueiras, já te avisei. Diz a verdade. O jantar de ontem foi agradável, hoje estás de folga e vieste ver o meu querido amigo David.
- Opa, tu irritas-me. E também, que raio, tens que estar sempre em todo o lado…
- Desculpa? Eu trabalho no Sport Lisboa e Benfica…
- Sim, mas o teu estaminé não é lá no estádio??
- Mas eu não passo o dia enfiado no meu estaminé.

De repente, comecei a ouvir vozes ao fundo. Uma mistura de timbres, algumas risadas e umas pequenas discussões. Tinha a certeza que eram os jogadores. Uma mistura de línguas e de sotaques. Mais risadas e uma voz que me era familiar.

- Paulo, por favor, podemos continuar esta conversa no meu carro. Melhor, já sei, em minha casa, vais lá jantar, pode ser? – Perguntava eu aflita, enquanto me preparava de novo para abrir a porta.

- Mas Kika… – O Paulo ia dizer-me qualquer coisa quando foi interrompido.

- Aí Paulão. Tudo em cima?

“Fodasse, agora é que vai começar a festa” – pensava eu, apercebendo-me que estava sem escapatória.

- Então, Paulo, tudo bem? – Perguntava o Ruben.

E eu mantinha-me de costas a rezar para que não dessem pela minha presença. Mas aquela perspicácia do David continuava aguçada.

- Então, provocadora de acidente, por aqui?

“Kika, mantém a calma e prepara-te para mentir com quantos dentes tens na boca” – pensava eu, sentindo o meu coração bater-me com força contra o peito.

- Olá pior condutor de Portugal e arredores – Respondi-lhe. Sorrimos.
- Que faz por aqui?

Olhei para o Paulo e fiz-lhe aquela cara que só ele conhecia.

- Pois… aaannhhh… soube que o Paulo estava por aqui e dei aqui um pulinho para lhe entregar as notas de agradecimento pela tua presença no convívio.
- Sério? – Perguntava o David mostrando claramente que não acreditava numa única palavra que eu acabara de dizer.
- Sim, sim. – Respondi nervosa.
- Pensava que estava de folga.
- Pois… e estou. Mas… mas, estava por aqui perto e… olha já adiantei trabalho. – Fiz um sorriso amarelo. Estava ruída de culpa.
- E fizeste muito bem, minha querida – dizia o Paulo, percebendo que eu estava mesmo a precisar de ajuda.

Eu e o David voltávamos a trocar aqueles olhares que me incomodavam tanto quanto me deliciavam. Interrompidos pela curiosidade do Ruben.

- E então, vão incluir-me na conversa ou quê?
- Desculpa – dizia o Paulo, iniciando as apresentações – Ana, este é o Ruben, dispensa apresentações. Ruben, esta é a Ana, assessora de comunicação da empresa do Dr. Gonçalves, amigo do teu pai.
- Olá – dizia-me o Ruben, enquanto me dava dois beijos – já ouvi falar de ti – continuava, enquanto olhava para o David, claramente a denunciá-lo.
- O Dr. Gonçalves? – Fiz-me desentendida.
- Claro – respondia o Ruben, acompanhando a minha suposta burrice - , mas então chamas-te Ana ou Kika? – Continuava a provocar-nos, a mim e ao David, porque falava para mim e olhava para ele.
- Formalmente, sou Ana. Na vida pessoal, Kika.
- Ok, esclarecido. – Sorriu.
- Desculpem, mas eu tenho de ir. Só vim mesmo entregar isto ao Paulo.
- E o convite para jantar, mantém-se, amiga? – Perguntava o Paulo.
- Sim, claro. Vou só ligar à Si para avisar.
- Encontramo-nos em vossa casa, então.
- Ok. Então até logo – olhei para o Paulo – e até à próxima – olhei para o David e para o Ruben.
- Saímos todos – respondeu o Ruben, abrindo a porta.

O Ruben saiu primeiro, o Paulo seguiu-o e eu segui o Paulo, deixando o David para trás. “Se estiver de costas não custa tanto”, pensei. Fixei os olhos no meu carro e estava pronta a fazer um caminho recto e sem desvios. Queria desaparecer dali o mais rápido possível, sem sequer olhar para trás. Mas o David não deixou. Senti-o chegar mais perto. Encostou-se a mim, fazendo-me estremecer, colocou a cara por entre os meus cabelos sem controlar a respiração e sussurrou-me ao ouvido.

- Eu vi você na bancada… (pausa) … desde o início do treino.

Senti um calor apoderar-se da minha cara. As minhas pernas começaram a tremer. Foi com a voz embargada, quer pela vergonha de lhe ter mentido quer pela excitação provocada pela proximidade dos nossos corpos, que lhe respondi por entre um sorriso timidamente provocante.

- Boa noite, David.
- Boa noite, Kika – respondeu-me, com um sorriso igualmente provocante. Era a primeira vez que me chamava Kika.

Olhei-o mais uma vez e virei costas. O Ruben e o Paulo voltaram-se para trás à nossa procura. Passei por eles, envergonhada, e segui para o meu carro sem dizer uma única palavra. Entrei no carro, levei a mão novamente ao peito e perguntei amedrontada “Oh coraçãozinho, porque raio me trouxeste para aqui?”

5 comentários:

  1. adoreeei :D
    continua.
    a tua fanfic está optima :D
    beijinhos.

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  2. Amei este capitulo, até eu me arrepiei com o sussurro ao ouvido.
    Mt bom
    ElsaNeves

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  3. Aquela cena do "Eu vi você na bancada… " é do mais empolgante que pode haver numa situação daquelas, lindo mesmo. Adorei!

    Marisa

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  4. Maravilhosa como sempre :) escreves tão tão bem, sou mesmo fã da tua história. A situação na bancada é hilariante. Já vivi algo parecido lol.
    Ainda não me esqueci da janela do prédio à frente do teu :)
    beijinho amanha voltarei para ver se há novidades.

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  5. Comecei hoje a ler a tua fic e digo-te que é... sensacional!!! Quanto a este capítulo, gostei bastante, especialmente da parte do "hum... hum..." - fartei-me de rir!!! :D E o final também foi lindo!!! =) Parabéns!

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