segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Capítulo 8 - O jantar…


Tal com eu previa, a Si tinha um inquérito preparado para mim. Tentei explicar-lhe que não estava com muito tempo para conversas mas ela era persistente. Caminhava atrás de mim que nem uma sombra. Entrei no chuveiro e ela sentou-se na sanita.

- Vá lá, explica-me lá essa história do jantar. – Insistia a Si.
- Oh, não tenho tempo.
- Tens sim, falas enquanto tomas banho.

Fui contando tudo o que se tinha passado, mas a cada resposta que dava a minha amiga tinha nova pergunta. Vesti-me, e enquanto me maquilhava, a Si secou-me o cabelo.

- Ok, estou pronta e estou atrasada. Tenho mesmo de ir.
- Ainda faltam 10 minutos, calma.
- Mas eu não me quero atrasar.
- Sim, calma, o restaurante é mesmo aqui ao lado. Sem stresses. Estás nervosa?
- Não – Respondi de imediato.
- Ok, já vi que sim. Vai lá, estás linda. Vai correr tudo bem.
- Espero que sim. Xau.

Dei um beijo na Si e saí. Não me lembro do caminho desde a porta de casa até ao restaurante. Cheguei ao “Ponto de Encontro” e sentia as pernas um pouco bambas. No fundo, estava um bocado reticente em relação àquele jantar. Primeiro pela companhia, depois porque há muito tempo que não jantava sozinha com um homem. Não queria conotar aquele jantar como “um encontro”, mas sabia, lá no fundo, que iria ser um jantar entre dois adultos que estão a conhecer-se e o que daí pudesse resultar assustava-me. Sabia também que teria obrigatoriamente que falar de mim e essa era uma questão que me deixava nervosa.
“Agora, já aqui estás e não há volta a dar-lhe”, pensei enquanto olhava para a porta do restaurante. Comecei a andar, entrei e dirigi-me ao balcão onde estava o empregado – o mesmo que nos atendia quando eu e a Si lá íamos jantar –, que veio em direcção a mim.

- Olá, por aqui? Vem sozinha hoje?
- Sim. Quero dizer, vim mas tenho alguém à minha espera.

Ele chegou mais perto de mim, sorriu e perguntou-me num tom de voz mais baixo.

- Você é que é a pessoa de quem o senhor David Luiz está à espera?
- Sou eu mesma – respondi, um pouco envergonhada.
- Então acompanhe-me até àquela sala. Ele já lá está.

Ainda não tinha acabado a frase e já tinha começado a andar. Nem sei se me ouviu agradecer-lhe. Segui-o até à porta, que ele abriu fazendo um gesto para que eu entrasse.

O David estava encostado à janela, a olhar para a rua. Virou-se para mim, sorriu e veio em minha direcção. Cumprimentamo-nos com dois beijos. Era a primeira vez que o fazíamos. O que já era um avanço na quebra dos formalismos.

- Oi, tudo bem desde há pouco? – Perguntou sorridente.
- Sim tudo óptimo. E consigo?
- Oh, por favor me trata por tu…
- Desculpa, vou fazer um esforço. Cheguei muito atrasada?
- Não… na hora certa. Vamo sentar?
- Claro.

Caminhamos em direcção à mesa e o David puxou a cadeira para que eu me sentasse. Fiquei deliciada com aquele gesto pouco habitual nos dias e, sobretudo, nos homens “de hoje”. Agradeci-lhe com um sorriso. Ele chamou um empregado, que veio de imediato e nos perguntou, enquanto nos apresentava a ementa, se queríamos um aperitivo. O David negou e olhou para mim à espera da resposta.

- Não, obrigada. – O empregado afastou-se.
- Você não bebe álcool?
- Sim, às vezes bebo vinho às refeições. Mas nunca antes ou depois. E nada que não seja vinho.
- Você quer pedir, então?
- Tu bebes? – Perguntei-lhe, admirada.
- Não, não posso.
- Ah, então não vale a pena pedir.

Comecei a olhar tudo à minha volta. A sala era linda. As paredes, de um branco sujo, estavam decoradas com grandes quadros com imagens de Nova Iorque, em tons de cinzento, preto e branco. Por cima da enorme e única janela estava um letreiro colorido com a palavra “Broadway”. Havia apenas uma mesa, aquela onde estávamos, colocada debaixo de um candelabro todo ele feito de bolas que pareciam flocos de neve. Em cima da toalha bege e junto aos pratos e copos pretos, havia uma jarra, em forma de Estátua da Liberdade, com uma simples rosa vermelha.

- Oh Nova Iorque, a cidade que nunca dorme. – Deixei escapar por entre o meu encantamento com aquela decoração.
- Você conhece?
- Eu? Não, quem me dera. E tu, conheces?
- Não, ainda não. Mas quero conhecer.
- Deve ser marcante, louca, acelerada… Sei lá, acho que até é difícil de imaginar o que se poderá sentir numa cidade como aquela.
- Concordo. Só indo lá mesmo.
- Sim, mas enquanto não é possível, ficamo-nos por esta magnifica sala.
- É bonita, não é? Você não conhecia?
- Não, quando venho cá com a Si costumamos jantar ali na sala das pessoas normais. – “Autch” – Desculpa, não era isto que queria dizer.

Ambos sorrimos.

- Não tem mal, não. Eu entendi.
- Ainda bem.

Impôs-se um silencio constrangedor durante alguns minutos. Eu ainda olhei em volta, como que a contemplar de novo a sala, mas estava a tornar-se nítido que era necessário um de nós dizer qualquer coisa. Resolvi arriscar.

- E, então David, o que achaste da tarde de hoje?
- Foi legal. As crianças eram maravilhosas. Me diverti imenso. O seu trabalho foi muito bom. Não houve atrasos, os jornalistas estavam controlados, o que nem sempre é fácil. Você trabalha naquela empresa há muito tempo?
- Quase sete meses.
- Pucha, não é muito tempo, não… Mas você teve sempre tudo sob o seu controle. O Paulo diz que você é “uma mulher com mostarda no nariz”. – Soltou uma gargalhada. Eu também e ao mesmo tempo senti-me a corar.
- Sim, e sou. Mas também tenho um patrão exigente, que passa a vida a dizer-me que eu tenho que ser a melhor porque ele só gosta de trabalhar com os melhores. E isso estimula-me, pressiona-me e faz-me querer mostrar resultados.
- Não me diga que seu patrão se chama Jorge Jesus? – Sorriu.
- Não, chama-se Jorge Gonçalves, mas se calhar ainda são primos. – Também sorri. – Mas isso ajuda, não ajuda? Ter alguém que não te deixa relaxar nem fracassar.
- É verdade. Foi assim que conseguimos ser campeões no ano passado.
- Pois… sobre isso preferia não falar… – sorri.
- Desculpa, esqueci que você é lagarta – soltou uma gargalhada – Ah já sei agora aquela parte em que você fala “David, não me irrite” (tentando imitar a minha maneira de falar).
- Bem, estou a ver que és perspicaz… e provocador… fazes-me lembrar alguém, será do local onde trabalhas? – Fingi uma cara de chateada.
- Oh me desculpe, estava só brincando.

Não pude evitar uma gargalhada, só de ver a cara dele receosa de que eu estivesse mesmo ofendida.

- Calma, eu também estou a brincar. E eu sei que sou assim, quando me irrito é melhor saírem da frente.
- Como no dia do acidente?
- Sim, esse foi mesmo um dia muito mau. Eu estava completamente desgastada e irritada… foi complicado.
- É, e eu ainda ajudei a estragar um pouquinho mais…
- Bem confesso que na altura foi exactamente isso que eu pensei. Mas agora, olhando para trás, penso assim: se não fosse o acidente, provavelmente não estaríamos aqui a jantar.
- É verdade. Você consegue sempre ver o lado positivo das coisas?
- Nem sempre.
- Mas você consegue estar no meio de uma tragédia e fazer piada, que isso eu percebi.
- Pois, esse é o meu lado sádico. Mas também é influência da amiga com quem eu vivo. É típico dela.
- É, você vive com uma amiga. Isso eu também sei, que o Paulo me falou…
- Sim vivo com a Sílvia. Nem vou perguntar o que é que o Paulo disse mais, antes que me arrependa.
- Que vocês duas se conhecem faz muito tempo e que são muito amigas. Que ela é uma óptima fotógrafa e você uma óptima comunicadora.
- Bem, contou-te a minha vida quase toda. Sim conhecemo-nos há oito anos, no primeiro ano da faculdade, em Coimbra.
- Você é de Coimbra? Então e veio para Lisboa porquê? Por motivos profissionais?

Pronto, eu sabia. Tinha chega àquela altura em que só me apetecia dizer “ok, ainda nem sequer começamos a comer mas eu já tenho que ir embora”. Não o fiz, claro. O problema daquela pergunta é que eu não queria mentir-lhe mas também não achava boa ideia estar a dar-lhe pormenores da minha vida pessoal, porque no fundo estávamos a começar a conhecer-nos. Claro que também ainda me custava um pouco falar sobre o passado. Sobretudo… porque me fazia lembrar dos assuntos mal resolvidos na minha vida.



4 comentários:

  1. wow adorei, e quero saber como este jantar vai acabar *-*

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  2. Obrigada Jane

    por leres e por comentares. ainda hoje ponho novo capitulo :)

    beijinho

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  3. Posta mais ana estou a adorar como sera que o jantar acaba? BJS

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  4. Espero bem que postes novo capítulo hoje porque a fic está maravilhosa.
    Parabéns mais uma vez.

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