sábado, 4 de setembro de 2010

Capítulo 1 - Regresso à capital


        São seis da tarde do segundo dia do ano de 2011 e está um frio de rachar. Tenho as mãos tão geladas que mal consigo puxar a mala para sair do comboio. Ainda olho para o lado a implorar, silenciosamente, ajuda mas estão todos demasiadamente apressados para o perceberem. E ainda faltam a mala do portátil e o saco com as prendas que a família me ofereceu. Depois de muito esforço consigo pegar em tudo o que é meu e desço as escadas da carruagem. Saio e sinto uma dor terrível no nariz. “Como odeio o Inverno”, penso para com os meus botões. Pouso as malas junto a um banco e tento, a custo, tirar o telemóvel da carteira. Estava a desesperar quando ouço uma velha voz amiga.
- Menina Ana. Andava mesmo à sua procura.
Sorri. “Adoro este homem”, pensei. O senhor José é o taxista mais porreiro de Lisboa. Tem cerca de sessenta anos e uma sabedoria nas palavras que me encantou desde a primeira vez que me sentei no seu táxi preto, faz hoje precisamente seis meses. Naquela altura, acabava de chegar à capital, depois de um desgosto de amor que me tirara a alegria de viver. Chorava compulsivamente quando me sentei no banco de trás. Dei-lhe a morada, ele olhou pelo espelho e disse-me: “Menina, o que quer que a faça chorar dessa maneira hoje não será tão importante como aquilo que a fará sorrir amanhã”. Aquelas palavras marcaram o início da minha vida em Lisboa e tornaram-me amiga do Sr. José. Agora, passados seis meses, a vida corria-me bem. Tinha um bom emprego, como assessora de comunicação de uma conceituada empresa no Parque Industrial do Seixal, dividia a casa com a melhor amiga do mundo em Almada e sentia-me confiante num futuro sorridente.
Caminhámos em direcção ao táxi. O Sr. José fez questão de me levar as malas.
- Então menina, como foi o natal?
- Oh, maravilhoso. Estive com a família, com os amigos. Que mais posso pedir?! A passagem de ano também foi espectacular. Na casa de uma amiga. Mas estou de rastos, cansadíssima, e amanhã já tenho de ir trabalhar.
- Pois, o que é bom acaba depressa.
- E o seu natal?
- Óptimo. Os meus netos adoraram a árvore e o Pai Natal. Que era eu, mas eles nem desconfiaram.
Sorri. Colocámos as malas na bagageira e entrámos. As férias tinham sido mesmo boas. Voltar a Coimbra era a melhor coisa do mundo. Comer a comida do papá, ter o colinho da mamã, ir beber uns copos com as amigas. O pior só mesmo a despedida. Mas com ela estava a aprender a viver, sobretudo desde que as minhas amigas descobriram o quão fantástico era cantarem e abanarem lenços brancos na estação dos comboios, enquanto eu, já sentada no meu lugar, mandava beijinhos e fazia vídeos.
- Ano novo, vida nova – dizia o Sr. José, enquanto aumentava o som do rádio – Este ano, vai ver que a sua vida vai melhorar.
- Sim? Desconhecia essa sua faceta de “bruxo” – soltei uma gargalhada.
- Não estou a adivinhar, estou a desejar, menina.
- Obrigada.
Chegámos à entrada do prédio onde vivo. A Sílvia já lá estava à minha espera. Paguei ao Sr. José e dei-lhe dois beijinhos.
- Um dia destes tem de lá ir jantar a casa menina. A minha Madalena não se cansa de me mandar dar-lhe o recado.
- Diga-lhe que assim que possa, passo lá. Entretanto, leve-lhe estes bombons. São uma delícia. E esta garrafa é para si. Mas só para beber nas folgas. – disse eu enquanto tirava as prendas do saco.
- Oh menina não era preciso. Mas obrigado na mesma. Feliz ano novo para si.
- Para si também Sr. José. E para todos os que ama. Até à próxima.
- Adeus, menina.
O Sr. José partiu no seu táxi preto e eu abracei a Sílvia com tanta força que lhe ia partindo as costelas. Dei-lhe um beijinho e disse-lhe ao ouvido.
- Tive tantas saudades tuas, minha babe. E tenho uma prenda linda para ti.
- E eu tuas –, respondeu-me – Tantas que até te fiz o jantar.
Soltei uma gargalhada que se ouviu por todo o prédio. Se há coisa que a Si detesta é cozinhar.
Entrámos em casa e, enquanto a Si punha a mesa, eu tomei um banho quentinho. Entrei no quarto, aquecido cuidadosamente pela minha amiga durante toda a tarde, e vesti-me.
- Bichinha, anda cá – gritei.
A Si entra no quarto apressada.
- Que foi? - Perguntou enquanto eu me dirigia para a janela.
Arredei o cortinado e apontei em frente.
- Que saudades que eu tinha de ver o meu estádio assim todo iluminado.
- Kika, tu chamaste-me aos gritos para me dizeres que tiveste saudades de ver o estádio de Alvalade iluminado???
- Sim.
- Poupa-me – disse ela num tom saudavelmente irritado – Tu és maluquinha da cabeça! Anda jantar e está calada.
        Depois do jantar fumei um cigarro na varanda da sala, enquanto bebia um cafezinho e via a cara de felicidade da Si a olhar para o novo relógio da Swatch que eu lhe tinha oferecido. Nessa noite, não desfiz a mala, tirei só o que precisava para vestir no dia seguinte e deitei-me. Li três páginas do “Música de Praia” de Pat Conroy e adormeci. Tranquilamente.  

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