domingo, 26 de setembro de 2010

Capítulo 19 - O mundo é mesmo pequeno!

 

Entrámos em casa no preciso momento em que recebíamos a resposta dos rapazes sobre o jantar. O David e o Ruben prometiam que estariam lá dentro de meia hora; o Gustavo dizia que não podia por já ter outras coisas combinadas.
Eu e a Raquel fomos directas à sala para pousarmos as tralhas que trazíamos connosco. Assim que entrámos a Raquel parou durante uns segundos. Olhava em seu redor tentando deslindar cada cantinho da minha sala. A primeira área onde fixou o olhar foi o canto esquerdo, onde estavam o sofá, o móvel da televisão, uma estante enorme de livros e, claro, as fotografias gigantes colocadas na parede. Eu já estava habituada àquela reacção das pessoas que conheciam a minha casa pela primeira vez.

- Brutal, Kika, brutalíssima esta tua parede. As fotos estão lindas!
- Obrigada.

As três fotos de que a Raquel falava eram minhas e da Si e estavam a preto e branco. A maior, ao centro, era uma imagem em que aparecíamos abraçadas. Estava cortada pelo peito e tinha sido tirada por um amiga numa saída nocturna em Roma. As outras duas, uma de cada lado da maior, tinham sido tiradas por uma fotógrafa profissional de Almada, amiga da Si, para exposição na loja que ela tinha aberto depois de termos vindo de Itália. Eram exactamente iguais. Numa estava eu, na outra a Si, ambas despidas com um enorme coração de peluche à frente. Eram fotos artísticas, sem qualquer exposição da intimidade, realmente bonitas.

- Bem… estou sem palavras. – sorriu – Adoro estas fotografias.
- Podes pousar as tuas coisas. Eu vou só ao quarto.
- Ok, vai lá, que eu vou continuar a apreciar a tua sala.
- Fica à vontade.

Fui ao quarto tirar sapatos e voltei num instante. A Raquel estava agora a passar da estante dos livros até ao expositor de fotos, onde passou o olhar levemente. Um quadro com um metro de altura com divisórias envidraçadas onde estavam fotos dos momentos mais marcantes da nossa amizade. Depois olhou para a parede do lado direito, coberta por um pano acetinado de cor branca onde estavam algumas fotos presas por alfinetes, por baixo da frase, escrita a vermelho, WE LOVE YOU.

- Vê-se mesmo que mora aqui uma fotógrafa. – Aproximou-se do pano – e cheira-me que estas pessoas…
- São as mesmas que nos preenchem o coração! – Terminei-lhe a frase com um sorriso – Ainda há muito espaço nesse pano. É uma espécie de mural sempre em actualização.

- Isto é a vossa cara. Mesmo. Espero que um dia haja espaço para uma foto minha aqui. – Apontou para o pano, piscando-me um olho.
- Haverá, com certeza.

Sorrimos. Eu encaminhei-me para a cozinha e a Raquel seguiu-me. Iniciámos juntas a preparação do jantar.
Estávamos atarefadas na cozinha quando a campainha tocou. Eram os rapazes. Entraram sorridentes e cumprimentaram-nos. Fiz-lhes sinal para me seguirem até à sala.

- Estejam à vontade. E, sim, podem ligar a Wii.

Por entre gargalhadas entrámos na sala. A Raquel veio atrás para apreciar a reacção dos rapazes.

- WOW – Proclamaram em simultâneo.
- Eu reagi da mesma forma. Estão lindas, não estão? – Perguntava a Raquel.

David e Ruben nem lhe responderam, limitaram-se a abanar afirmativamente com a cabeça. Deixámo-los a observarem a sala e voltámos para a cozinha. Pouco depois já os ouvíamos discutir.

O jantar estava a correr muito bem. A Raquel e eu estávamos de um lado da mesa, os rapazes do outro… o que ficava virado para as fotos gigantes. Por diversas vezes encontrei o David a fixar o olhar naquela parede, sem nunca lho ter dado a perceber. Já era suficientemente embaraçoso para mim ele não tirar os olhos das fotos. Tentei que ele desviasse o olhar de lá.

- David, há quanto tempo não vês os teus pais?
- Desde o natal. Mas eles estão vindo já em Fevereiro.
- Que bom. Posso imaginar as saudades que tens. Os meus estão mais perto e eu mal posso esperar para abraçá-los novamente.
- Já só falta um dia, Kika! – Dizia a Raquel sorridente.
- Então, vais para Coimbra amanhã?
- Sim, Ruben, tenho o aniversário da minha irmã.
- E voltas depois com a Sílvia?
- Não Raquel. A Si vem no sábado porque tem trabalho no dia seguir. Eu venho só domingo.
- Ué, não vai assistir ao derby? – Perguntou-me o David, com ar surpreendido.
- Vou, claro… no café, sentada ao lado da minha mãezinha. Sempre no meio da confusão – soltei uma gargalhada.
- E estás preparada para sofrer?
- Sim Ruben. E para ganhar também.
- Oh lagartixa, não se enche de confiança que depois dói mais.
- Que engraçadinho, caracolinhos. O que me vai doer a sério é voltar a ver-te marcar um golo ao meu Sporting, isso sim espero que não aconteça.
- Então se prepara, que vai doer a dobrar.
- Ui, temos promessa – interrompia o Ruben, em tom de provocação – e olha que ele costuma cumprir com o que promete, Kika.
- Pois a mim soa-me mais a ameaça. E eu não me deixo intimidar facilmente. – Soltei uma gargalhada. – Agora vamos lá a arrumar isto enquanto eu vou tirar os cafés.

Estávamos já todos sentados no sofá a beber café. A Raquel percorria com o olhar todos os livros colocados nas estantes. Ia dizendo quais os tinha lido, os que amava e os que odiava.

- Andas a ler algum agora, Kika?

Apontei-lhe para a estante do fundo onde, por cima de um monte de revistas e jornais, estava o “Música de Praia”. A reacção da Raquel foi inesperada.

- AAAAAAHHHHHHHHH… eu não acredito!
- Que foi rapariga?
- Eu simplesmente amo este livro. Li-o apenas uma vez, ando a tentar comprá-lo há imenso tempo e não consigo.
- Ah, eu sei o que isso é. Demorei seis anos para o encontrar. É a segunda vez que leio. A primeira foi quando estava em Roma.
- A sério? Uma parte da história passa-se lá.
- Sim, essa é a parte gira de o ler estando lá a morar. Conseguia identificar facilmente alguns dos locais de que o autor fala.
- Viveste em Roma?
- Sim, cinco meses e tal. Fiz lá Erasmus, precisamente com a Si. E foi lá que conheci uma amiga que me emprestou o livro.
- Oh, eu adorava conhecer Itália. As cidades de Roma, Milão, Veneza… ai só de imaginar, fico nem sei como! Olha, a mim também foi a minha amiga Sara que mo emprestou. Ai que saudades da Sara, ela agora está lá longe, nos seus aviões. – Ia dizendo a Raquel de olhos fechados.

Eu olhava deliciada mas também intrigada. Havia tantas coincidências naquelas nossas amigas Saras.

- A mim também foi a minha amiga Sara, que curiosamente é lisboeta, mas que neste momento também está longe, a trabalhar como assistente de bordo.
- A sério? – Perguntava a Raquel franzindo o nariz – Qual é o apelido da tua amiga?
- Faria.
- NNNNÃÃÃÃOOOO! Opa, só pode ser a mesma. Tu queres ver Ruben que ela está a falar da minha Sarinha que, agora que me lembro, também estudou em Roma. Tens alguma foto da tua amiga, Kika?

Não lhe respondi. Limitei-me a apontar-lhe para o expositor das fotos, enquanto sorria com a certeza de que estávamos a falar da mesma pessoa. O que, pensando bem no assunto, me parecia demasiado óbvio, pois a Raquel tinha tantas atitudes e comportamentos que me faziam lembrar da minha bella Sarita. A Raquel percorreu as fotos do expositor com uma velocidade estonteante e rapidamente encontrou a Sara. Soltou uma gargalhada que acabou por confirmar as nossas suspeitas.

- Olha a minha Sarinha! A ruiva com os olhos verdes mais lindos à face da terra.

Olhámo-nos cúmplices e sorrimos docemente. Se já gostávamos tanto uma da outra, a amizade que nutríamos pela Sara só veio reforçar a nossa ligação.

- Quando eu acabar de o ler, empresto-to. – Disse-lhe tranquila, mas já magicando na minha cabeça um novo desafio para as poucas horas que ia passar em Coimbra. “Arranjar o livro à Raquel, não esquecer”.
- Obrigada Kika.

Os rapazes continuavam sentados no sofá a apreciar a nossa conversa. Nunca interromperam. Perceberam que aquele era um momento só nosso. A Raquel continuava encantada com aquela coincidência.

- O mundo é mesmo pequeno, não é? – Perguntou e ficou à espera que todos afirmássemos que sim com a cabeça para continuar – Olha e agora estava a lembrar-me de outra coisa. Podíamos ir os seis a Itália, que me dizem?

Desta vez não houve resposta. A Raquel fez beicinho e todos sorrimos.

- Amor, pensamos na ida a Itália noutra altura. Eu agora estava mais numa de viajar… até casa, que dizes?
- Oh, és mesmo desmancha-prazeres. Mas sim, vamos, está tarde.

Levantámo-nos e dirigimo-nos os quatro à porta. Pensei que eles se fossem todos embora mas depressa percebi que essa não era a intenção do David. Fiquei um pouco incomodada por saber que ia ficar a sós com ele, em minha casa, mas temendo ser mal compreendida voltei naturalmente à sala e atirei-me para o sofá. O David seguiu-me e fez o mesmo.

- Então, você viveu em Roma? Você é uma caixinha de surpresas!
- Não sou nada. Só que nunca tinha calhado em conversa.
- Eu amava conhecer Roma. Acho que a Raquel tem razão, devíamos ir os seis!
- Opa, não sejas tolinho. Achas que alguma vez teremos compatibilidade de férias?
- Poxa, você ‘tá sempre complicando. A gente se arranja. E fotos você tem?
- Oh caracolinhos, claro… eu estive em Itália com a Si, achas que não tenho fotos?
- Claro. Você mostra para mim?
- Sim. Anda! – Ordenei-lhe, sem pensar muito bem no que estava a fazer.

Levantei-me e caminhei para o meu quarto. Entrei e liguei o computador portátil. Senti o David entrar e percebi que ele estava a examiná-lo ao centímetro. Olhei para ele e deixei-me encantar pelo seu rosto iluminado pela luz do luar que invadia o quarto. Esbocei-lhe um sorriso e voltei-me para o computador, tentando disfarçar o nervosismo.

3 comentários:

  1. Tantos pormenores que me dizem muito... o Rúben, uma Sara e Itália!
    Adoro a maneira como escreves! Consegues levar-nos para os locais e fazer sentir o que os personagens sentem...
    Só não concordo com uma coisa... eles ficam sozinhos e... O CAPÍTULO ACABA???? Isso não se faz!!!
    Beijinho grande... estou à espera do resto...

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  2. E acaba com eles sozinhos no quarto :s
    Põe mais um hoje, por favoor !
    Ou entao promete que poes amanha xD

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  3. Mais uma vez excelente, descreves tão bem as situações, que até me senti na tua sala :). Desejosa pelo próximo capítulo, essa visita ao quarto da kika promete ;)))
    Bjinho

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