quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Capítulo 17 - Furiosamente extasiada

 

Estava demasiadamente confusa com aquela reacção do David, que me tinha apanhado de surpresa. Ia jurar que tinha sentido algum encantamento e desejo na conversa sobre o prémio para o vencedor. E por isso, para além de constrangida sentia-me também enganada. O que provocava em mim uma certa exasperação. Respirei fundo três vezes antes de entrar na cozinha.
O David estava de pé em frente ao frigorífico aberto. A mão esquerda apoiada na parede, a direita pousada sobre a porta. Voltei a respirar fundo, fechei os olhos por uns segundos e acalmei-me.

- David.

Chamei-o delicadamente. Fiquei atrás dele à espera de uma resposta. Mas o David não disse uma única palavra, nem fez um movimento sequer. Passei, então por trás dele, e fui encostar-me ao balcão de granito preto. Estava mesmo atrás da porta do frigorífico. Apesar do meu metro e sessenta e cinco, tinha a altura suficiente para conseguir ver o David por cima da porta e tinha a certeza de que também ele me podia ver.

- David. – Voltei a chamar.

Mas o David voltou a agir como se eu não estivesse ali. Comecei a sentir o meu coração a bater mais forte. Tinha a noção de que estava a ficar deveras irritada com aquela atitude que me começava a parecer infantil. Olhei-o e não consegui resistir a um momento de contemplação dos seus traços faciais perfeitos. Os caracóis caíam-lhe sobre a cara sisuda. Atrevi-me a ler-lhe o olhar e percebi claramente que o David estava há um bom par de minutos a olhar para o interior do frigorífico à procura de… nada. Não resisti a testá-lo.

- Estás à procura do quê?
- Das mangas – respondeu-me secamente.
- Hum, hum. Das mangas… ok.
- Sim. – Balbuciou.

“Estupor”, pensei enquanto me apercebia que exactamente à minha frente, em cima da mesa da cozinha, por entre as mais variadas peças de fruta colocadas no interior da fruteira amarela se encontravam duas mangas. Senti o sangue a fervilhar-me nas veias e não consegui evitar uma erupção de palavras que me saíam da boca quase em atropelo, enquanto o meu cérebro latejava a um ritmo alucinante.

- David eu não sei que raio de bicho te mordeu, mas eu não acho nada normal esta tua atitude. Por favor, era só um jogo. Um maldito de um jogo… que era suposto ser divertido e terminar bem. Eu até percebo que tu não gostes de perder, eu entendo, ai se eu entendo, porque eu também odeio perder nem que seja a feijões, mas por amor de Deus nada justifica esta tua reacção. Aliás se eu soubesse que tu ias reagir assim eu juro que eu nunca te tinha proposto jogar, eu juro que eu nem sequer tinha agarrado naquele comando, quero dizer tinha porque senão ele estatelava-se no meio do chão, mas eu tinha-o agarrado e pousado na mesa…

Os nervos começavam a fazer-me falhar a voz e a inércia do David alterava-me ainda mais e impedia-me de colocar um fim àquele monólogo.

- … eu juro que eu não tinha jogado, muito menos festejado aquela vitória. E tu nem imaginas como eu gosto de vencer, e nem sequer estou a falar no prémio, porque não era essa a minha intenção, mas ….

David olhou-me de soslaio quando pronunciei a palavra “prémio” mas continuou mudo, estático e de imediato voltou a fixar o olhar no interior do frigorífico. Eu tinha dito a palavra “prémio” com a intenção de provocar nele qualquer reacção, mas a minha tentativa tinha-me saído falhada. O que me deixou completamente exaltada.

- … mas, porra David, podes tirar os olhos de dentro da porcaria do frigorífico e olhar para mim um segundo? Será que te estou a pedir muito? Opá, não gostaste de perder, di-lo simplesmente. Agora não faças de mim parva, que é o que estás a fazer, porque eu estou aqui há cinco minutos a tentar conversar contigo e tu não ligas merda nenhuma àquilo que eu estou para aqui a dizer e isso está a tirar-me completamente do sério. Percebes, David? Estás a ouvir? Epá diz qualq….

Não consegui acabar a frase. Num ápice o David fechou a porta do frigorífico, colocou-se à minha frente, agarrou-me na nuca com a mão direita e beijou-me os lábios. Senti o meu corpo estremecer. Um arrepio percorreu-me a pele milímetro a milímetro, o meu estômago transformou-se num bailado de borboletas esvoaçantes, o meu coração encolheu-se com tamanha timidez. Fechei os olhos e deixe-me levar por aqueles segundos de prazer ao sentir os seus lábios húmidos pressionarem os meus delicadamente.

As nossas bocas separaram-se, eu abri os olhos e vislumbrei o mais encantador dos sorrisos à face da terra. Olhei-o fixamente, procurando na sua expressão uma explicação para aquele momento mágico. A resposta saiu da boca da perfeita do David.
- Você fica linda quando está zangada…

O David soltou uma gargalhada contagiante e eu limitei-me a esboçar um sorriso envergonhado.

- aliás, você é linda de qualquer jeito!

Nem um “obrigada” consegui proferir. Por muito que tentasse as palavras não me sairiam. Coloquei a minha mão esquerda por cima da sua mão direita, que continuava a segurar-me na cabeça, e entrelacei a minha mão direita nos seus caracóis. Contemplei profundamente cada traço do seu rosto e beijei-o… com todo o desejo que me percorria o corpo e me libertava a alma. Ele correspondeu à minha ânsia. Envolveu-me com o seu braço esquerdo e apertou-me contra o seu corpo. Sentia-me plenamente extasiada. Sentia o meu coração palpitar de forma atabalhoada e a minha excitação aumentava ao ritmo das batidas aceleradas do coração do David contra o meu peito. As nossas línguas envolviam-se numa sintonia perfeita e os nossos lábios pareciam não querer pôr fim àquele beijo. A cada movimento das nossas bocas, os nossos corpos contorciam-se um bocadinho mais. Conseguia sentir o prazer daquele beijo em todas as partes de mim… e dele. Até que leves toques de lábios findaram aquele beijo ardente. Olhámo-nos profunda e intimamente e sorrimos.

Não conseguia afastar o meu corpo do dele, mas por breves segundos a realidade tomou conta de mim e eu temi que alguém entrasse na cozinha. O David percebeu e afastou-se.

- Então, foi um prémio justo para a sua brilhante vitória?
- Justíssimo – respondi-lhe a sorrir – mas agora podes explicar-me que atitude foi aquela?

O David soltou uma gargalhada sonora.

- Foi um escape.
- E querias escapar do quê?
- Do desejo louco de te beijar assim que percebi que você tinha ganho.
- Hum… e fingires-te de irritado e consequentemente irritares-me foi a única saída que encontraste?
- Sim. Eu sabia que assim você viria atrás de mim.
- Ai sim? E se eu não viesse?
- Nan. Você não iria ficar parada. Você é mulher de ir nem que tenha de quebrar a cara. – Sorriu
- Ui, andaste a traçar-me o perfil?
- Mais ou menos – Deu-me mais um pequeno beijo.
- Olha, e as mangas? Encontraste-as no frigorífico?
Soltámos uma gargalhada conjunta. Não conseguíamos desviar o olhar um do outro.

- “Então o sumo?” – gritou o Ruben da sala.
- Já vai manz – respondeu-lhe o David também aos gritos – e então, você me ajuda? - Perguntou-me.
- Claro.

Preparámos o sumo de manga em dez minutos, pegámos no jarro de vidro e regressámos à sala. O David foi à frente descontraído, eu segui-o a medo. Tinha a certeza de que aquele sorriso estúpido que não conseguia tirar da cara iria denunciar o que se tinha passado na cozinha.
Na sala, já estava tudo às avessas. O Ruben estava agora sentado à mesa junto à Raquel a conversar. O Gustavo e a Sílvia estavam sentados no sofá a rir de uma qualquer piada que mais ninguém entendia.

- Sai um suco saboroso – afirmou o David enquanto pousava o jarro em cima da mesa.
- Chiça, tanto tempo! Afinal, o que é que estiveram a fazer na cozinha? – Perguntou o Ruben com cara de gozo.
- Pshiu, ‘tá caladinho – dizia a Raquel enquanto lhe dava uma palmada na cabeça – Não tens nada a ver com isso.

Todos nos rimos e eu senti-me a corar. Depois de enchermos todos os copos com o sumo de manga do David, fomos para o sofá que, apesar de grande, não era suficiente para todos. O David foi buscar um “puff” gigante vermelho onde nos sentámos os dois. Aquela proximidade constrangia-me ligeiramente mas também me impedia de desmanchar aquele sorriso teimoso com que havia saído da cozinha. Os rapazes já se mostravam prontinhos para voltar ao jogos de consola, o que eu, a Raquel e a Si conseguimos impedir a muito custo. Da discussão sobre a obsessão dos homens pelos jogos passámos quase sem nos apercebemos para o tema futebol, daí para os treinos, daí para a questão trabalho e a partir daí foi um instante até eu voltar ao constrangimento.

- E tu kika, muito trabalho amanhã? – Perguntou-me a Si
- Oh sim e do duro. Reunião com o Dr. Gonçalves e o director financeiro para estudarmos estratégias de marketing e formas de publicidade em jornais e rádios. Discussão, papelada e mais papelada. – Acabei de falar e fiz uma expressão de preocupação.
- Que foi? – Perguntou-me a Raquel.
- Epá, esqueci-me de ir à Câmara do Seixal na sexta-feira. Amanhã cedo tenho de lá passar. Esqueci-me de ir buscar a porcaria das cartas de agradecimento para o Dr. Gonçalves assinar. Amanhã sem falta tenho de as enviar para o Vieira e para o Bettencourt.
Um burburinho de risos invadiu a sala. Mas eu não conseguia perceber onde estava a piada.

- Do que é que se estão a rir?

Olhava intrigada para cada um deles. Foi o David quem me fez entender a bronca em que me acabara de meter.

- Então, você já não entregou a carta para o Benfica ao Paulão na quinta-feira passada?

“Merda, não acredito que disse isto. E ainda por cima todos sabem daquela cena idiota”. Enquanto tentava organizar os pensamentos baralhados que me atormentavam a cabeça e me enchiam de vergonha, esbocei um sorriso amarelo. Mas as caras sarcásticas deles obrigaram-me a soltar uma gargalhada. Tapei a cara com a mão, enquanto procurava as palavras certas para dizer naquela situação.

- Ok, ok, eu assumo. Eu fui ver o treino do Benfica. Ai que vergonha – olhei para o David e transformei aquela conversa que sempre imaginei privada numa conversa de amigos. Recentes mas amigos.  - Desculpa ter-te mentido David, mas eu fiquei tão embaraçada quando vos vi que não me saiu outra coisa.

As gargalhadas deles aumentaram de intensidade. E foi por entre sorrisos que nos despedimos. A Raquel e o Ruben saíram primeiro, não sem que antes ela nos deixasse o seu número de telefone. Eu e a Si saímos logo a seguir. Despedimo-nos do Gustavo na sala e o David levou-nos à porta. A Si deu-lhe dois beijos e anunciou que ia andando, depois de inventar uma qualquer chamada urgente que se tinha esquecido de fazer. E nós ficámos ali a olhar-nos enternecidos, enquanto recordávamos, quase por telepatia, aqueles beijos trocados na cozinha.

- Xau David.
- Xau. Vão com cuidado a dirigir.
- Sim, claro. Não te preocupes.
- Daqui a pouco te mando mensagem.
- Eu fico à espera… no sítio de sempre.
- E eu vou mandar… lá, no sítio de sempre.

Aquela referência quase enigmática às janelas dos nossos quartos aguçou ainda mais o desejo de nos beijarmos. Nem eu nem o David oferecemos qualquer resistência à súplica intensa dos nossos lábios. Beijámo-nos de novo com excitação, enquanto apertávamos os nossos corpos mútua e entusiasticamente. Afastámo-nos, o David fechou a porta e eu encostei-me à parede para me segurar. Trinquei o lábio, soltei um sorriso e desci as escadas ainda perfumadas pelo cheiro do David.


10 comentários:

  1. Afinalmente aquele beijo apaixonado. Adoro o desejo que estes dois sentem um pelo outro, aos poucos e poucos eles deixam-se levar.
    A cena da janela é linda.

    Marisa

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  2. Oh grande beijo :P
    Adorei mesmo :)

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  3. Ai que lindos eles são!
    Quero mais :P
    Isto ta perfeito!!!

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  4. E mais nao? :D
    Eu quero muito!

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  5. Eu tambem quero mais já :P

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  6. Brilhante a tua fic. Escreves maravilhosamente bem, faz-nos sonhar :)
    Hoje fiquei triste por não ter um novo capítulo lol
    Bjinho e muito obrigada pelos teus comentários simpáticos que me deixas.

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  7. Meninas,

    um obrigada muito sentido pelos comentários que vão deixando nos vários capítulos.
    um pedido de desculpas por não ter postado ontem, mas foi mesmo impossivel. Não tive tempo para escrever e não tinha nenhum adiantado.

    Esta noite volto à escrita... se tudo correr bem :P

    beijinhos

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  8. Ainda bem Ana, ja tou a morrer de curiosidade :D

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