terça-feira, 19 de outubro de 2010

Capítulo 27 - Vem para cá


Estava apaixonada e feliz. Ter assumido o que sentia pelo David, dizer-lho olhos nos olhos, permitia-me virar uma página do livro da minha vida. Queria esquecer definitivamente as agruras do passado, lembrar tão e somente o que era bom de lembrar. Mas desejava, acima de tudo, descobrir novos trilhos, conhecer outras sensações, encontrar diferentes formas de exteriorizar sentimentos, embarcar nas mais diversas viagens da paixão.
A leveza provocada pelo estado de êxtase em que me encontrava permitiu-me saborear, de forma nunca antes feita, aquela viagem até à empresa. Pela primeira vez desde que tinha deixado Coimbra, uma segunda-feira era um dia afável. O trânsito não me enervou naquela manhã, as pessoas pareciam-me mais simpáticas, o frio arrepiante de Fevereiro não me aborreceu, o sol brilhou com mais intensidade, a paisagem tornou-se muito mais agradável. Até a chegada à empresa se tornou num momento mais ternurento. Perante o meu sorriso, o Sr. António, encostado ao balcão, não se coibiu de tentar adivinhar a razão para tamanha felicidade.

- Que alegria a sua, menina, aposto que são as artimanhas do amor.
- Aposta ganha, Sr. António. – Pisquei-lhe o olho, sorri e subi as escadas a correr sem prolongar o assunto.

Entrei no meu gabinete, sentei-me e abri, como habitual, as páginas dos vários jornais. Todas tinham uma notícia em comum: a presença da equipa do Benfica em Paris para o jogo da Liga dos Campeões. Lembrar-me do David tornou-se inevitável. Recordei, de sorriso na cara, o momento da noite anterior. Respirei fundo. Deixei que aquele beijo e as palavras que tinha proferido enchessem de cor o meu local de trabalho. Estava em paz comigo mesma. Olhei para a foto do David que ilustrava uma das notícias e fui invadida por uma enorme saudade.
Estava perdida em pensamentos quando fui interrompida pelas leves pancadas na porta do meu gabinete. Dei ordem para que quem estava do outro lado entrasse.

- Bom dia Ana.
- Bom dia Doutor. Precisa de alguma coisa?
- Já tenho os números e o balanço da participação da empresa na feira, quero que faça uma notícia e envie para a imprensa e que actualize o site, claro. – Disse-me enquanto pousava um monte de papéis na minha secretária.
- Com certeza. Estava só à espera dos documentos. – Sorri-lhe.
- Muito bem, então se precisar de alguma coisa estou no meu gabinete.
- Obrigada.

O Doutor Gonçalves olhou para mim de uma forma misteriosa e dirigiu-se à porta. Antes de sair, ainda se voltou para mim.

- Está enamorada Ana?

Fiquei momentaneamente sem reacção àquela pergunta. Era demasiado estranho para mim estar a falar da minha vida pessoal com o meu patrão.

- Porque pergunta Doutor?
- Ora, minha cara, eu também já tive esse brilho nos olhos e esse sorriso na cara. E para além disso tenho filhos da sua idade.

Sorri envergonhadamente. Estava ainda mais constrangida com aquela afirmação do Dr. Gonçalves. Ele saiu sem mais conversa e eu deixei-me escorregar pela cadeira. Se por um lado me encantava aquele lado humano do meu patrão, por outro intimidava-me a sua perspicácia.

Peguei nos documentos que ele me tinha deixado e comecei a preparar o comunicado. As palavras saíam-me com mais fluência, as ideias surgiam de forma rápida na minha cabeça, a clareza dos meus pensamentos rentabilizava o trabalho. Apesar de a escrita me estar a correr bem, fiz, como habitualmente, uma pausa a meio da manhã para o café com o João e a Matilde.

Quando entrei na sala de convívio, já os meus colegas estavam à minha espera. Entrei sorridente e reparei na atenção que o João prestava à televisão. Virei a cabeça e vi o David. Estava elegante no seu fato preto e gravata vermelha. Percebi de imediato que se tratavam de imagens da comitiva benfiquista, no aeroporto de Lisboa, a embarcar rumo a Paris. Mantive-me em silêncio, quer para permitir que o João, benfiquista ferrenho, se inteirasse do que o jornalista dizia, quer para aproveitar deliciar-me com cada traço do David.
Assim que a reportagem acabou, a Matilde tirou os cafés e saímos os três para o exterior, de chávena numa mão e cigarro na outra.
De regresso ao gabinete, tentei concentrar-me de novo naquela papelada imensa. Mas a concentração parecia, então, mais difícil de alcançar. Não conseguia abstrair-me da imagem do David e sentia, a cada minuto que passava, aumentar a saudade que sentia dele. Ainda assim, e por entre muito esforço, consegui acabar as tarefas que me tinham sido incutidas.

*********************

A segunda-feira passou lentamente. Fui-me apercebendo ao longo do dia a falta que o David me estava a fazer. Senti mais profundamente as marcas dessa carência quando, já de noite e no meu quarto, me encostei ao parapeito da minha janela e voltei a não encontrar um brilho especial no prédio ao fundo. A persiana corrida da janela do quarto do David lembrava-me da sua ausência, mas não me entristecia… pelo contrário. Ao olhá-lo, aquele rectângulo recordava-me dos momentos maravilhosos que tinha já dividido com o David e dava-me confiança num futuro risonho. A lua e as estrelas iluminavam o céu, àquela hora vestido de negro, e um generoso reflexo invadia o meu quarto e trazia até mim toda a força do Universo. Eu olhei o horizonte e por instantes pude vislumbrar o sorriso do David desenhado por entre aquele sem fim de constelações.

Despertei daquela hipnose, com o toque do meu telemóvel.

So I won't hesitate no more, no more; It cannot wait I'm sure
There's no need to complicate, our time is short; This is our fate, I'm yours

- Olá, caracolinhos, tudo bem? – Nem com a maior vontade do mundo seria capaz de disfarçar aquela voz de felicidade.
- Oi, lagartixa, tudo óptimo. E você como está?
- Bem. – Tinha tanta coisa para dizer ao David e não conseguia proferir uma única palavra. Era como se a emoção de ouvir a sua voz me roubasse o som dos sentimentos, apenas expressos pelo olhar.

Do outro lado da linha, o David mantinha-se igualmente calado. Pelo compasso da sua respiração podia imaginá-lo de sorriso tímido mas rasgado. Durante uns bons segundos, permanecemos assim. Até que eu resolvi interromper o momento.

- Estava aqui a olhar para a tua janela.
- É bonita, não é? – Perguntava-me em jeito de brincadeira.
- Hum… hoje nem por isso.– Sorria docemente sem conseguir desviar o olhar daquele sítio que durante algum tempo foi tão misterioso.
- Talvez quarta-feira melhore.
- Vai melhorar com certeza… – fiz uma breve pausa – … quando o Gu a abrir para preparar a tua chegada – Soltei uma gargalhada.
- Você é ruim, hein Kika? E aí esteve com esse babaca hoje?
- Não. A Si convidou-me para ir com ela lá jantar mas eu não quis. Acho que eles estavam mesmo a precisar deste momento a dois. Como tu não estás, eles têm a casa só para eles.
- Fez bem. Sabe que eu ‘tava pensando? – O entusiasmo na voz do David nem o deixou esperar pela minha resposta. – Convidar você para jantar lá em casa na quarta-feira… (pausa) … e expulsar o Gustavo. Sei lá, mandar ele para sua casa.
- Bolas! E eu é que sou ruim? – Riamo-nos descontroladamente. – Coitado do Gu.
- Isso é um não?
- Não. – Continuava a sorrir – Eu aceito o convite para jantar e até me parece fácil convencer o Gustavo a vir cá para casa.
- Concordo – O David suspirou profundamente. – E assim podemos ficar só nós dois.
- Sim, parece-me uma óptima ideia. Ficar só contigo. Sabes… – O meu coração palpitava a um ritmo cada vez mais intenso – estou cheia…
- De saudades minhas? – O David interrompeu-me – Eu também ‘tou morrendo de saudades tuas.

Sorrimos e o silêncio voltou a intrometer-se na nossa conversa. Enquanto escutava a respiração do David, baixei o olhar lentamente e contraí-me, com a plena sensação de que tinha o meu corpo envolto pelo seu abraço.

- Bolas! Tenho cá uma pontaria. – Soltei, quase em surdina.
- Por quê tá dizendo isso?
- Oh… com todas as oportunidades que tive para te dizer que te adoro tinha logo de escolher a véspera de uma viagem. Ia saber-me tão bem ter ficado a conversar contigo.
- Sabe o que ia me saber bem agora? – Eu já conhecia aquele tom de provocação.
- O quê David?
- Um beijo teu.
- Oh caracolinhos… – Sorri e recordei o toque quente dos seus lábios– E eu? O que eu faria por um beijo teu!
- O que é que você faria? – A provocação voltava a caracterizar as palavras do David.
- Tudo o que possas imaginar – Respondi-lhe no mesmo tom tentador.
- Vem para cá!

Aquele apelo do David deixou-me sem resposta durante uns bons segundos. Encostei a cabeça ao vidro gelado e deixei-me contagiar por uma interminável vontade de correr para os seus braços. Mas, ao olhar para a janela fechada do quarto do David, despertei novamente para a dura realidade dos cerca de dois mil quilómetros que nos separavam.

- David…tem juízo! Sabes perfeitamente que isso é impossível!
- Porquê?
- Como porquê? Olha, porque sim.
- Ah, assim fico mais esclarecido! – Respondeu-me com desdém.
- Oh, não me irrites.

Após um breve momento de silêncio, o David soltou uma gargalhada.

- Pôxa, Kika, tava brincando né?
- Ai estavas “brincando”? – Carreguei no sotaque brasileiro – E não sabes que não se brinca com assuntos sérios?

O David ria ainda com mais satisfação.

- Pô, tava só com saudade de ouvir você irritada.
- Ai estavas? – Não contive o sorriso – Parvinho!
- Tou até imaginando a sua cara – O David tentava controlar o sorriso – Agora falando sério, vou ter de desligar. ‘Tá ficando na minha hora.
- Ok. Vai lá de descansar que amanhã tens de estar em grande forma.
- Tenho mesmo. Você fica bem?
- Fico, claro. E tu?
- Vou ficar pensando em você!

A doçura com que o David proferiu aquelas palavras acalmou-me o coração, atordoado já pela eminente despedida.

- Eu também vou ficar a pensar em ti. Dorme bem. – As palavras saiam agora a custo, mais lentas e prolongadas.
- A gente se vê quarta-feira. – Notava na voz do David um leve toque de tristeza.
- Quarta não. Amanhã!
- Amanhã? Como assim? – O entusiasmo voltava a moldar o timbre do David.
- Na televisão. Não perco esse jogo por nada. – Respondi-lhe a sorrir.
- Claro. – A expressão do David estava de novo entristecida – Dorme bem, lagartixa. Beijo grande.
- Beijinho David. Até amanhã!

Desliguei a chamada e fui pousar o telemóvel em cima da mesinha de cabeceira. Vesti o pijama e deitei-me com a sensação de que tinha feito ou dito algo de errado. Um sentimento estranho que eu não conseguia explicar a mim própria. Fechei os olhos e tentei adormecer. Inevitavelmente, toda a conversa com o David inundava os meus pensamentos. De repente, percebi o que me inquietava. “Até amanhã? Eu disse até amanhã?”. Sorri. Ainda que a roçar o irrealizável, aquela ideia de “até amanhã” agradava-me.


****************************


Um novo dia, a mesma rotina, um semelhante estado de espírito. Naquela terça-feira, as saudades do David consumiam-me com uma intensidade estonteante. As suas palavras não me saíam da cabeça. Fiz o caminho de casa até à empresa guiada por aquele apelo: “vem para cá”.

Já no meu gabinete, permanecia pasmada em frente ao computador. No ecrã, uma imagem do David, e no pensamento, as suas palavras, de novo. Fui atacada por um tremendo estado de ansiedade. Quanto mais me tentava convencer de quão mirabolante era a ideia de me meter num avião e viajar para Paris, mais essa loucura ganhava forma no meu pensamento. Fui encontrando, de forma intuitiva e quase insensata, várias maneiras de contornar todas as barreiras que me separavam do David, ao longo daqueles dois mil quilómetros. A cada minuto que passava ia delineando uma nova estratégia que viabilizasse aquela viagem. Os dentes roçavam de forma audível, os dedos não paravam de tiritar na secretária, os pés batiam descompassadamente. E de cada vez que fechava os olhos tentando fazer valer, na balança da indecisão, o peso da racionalidade, era brindada com o sorriso encantador do David e de novo aquela loucura ganhava forma.  

Levantei-me, movida por uma coragem irracional, e dirigi-me ao gabinete do Dr. Gonçalves. Dei três leves pancadas na porta e aguardei pela ordem para entrar. O meu coração batia descontroladamente e os nervos faziam tremer cada milímetro do meu corpo. Entrei, com a voz embargada, mas confiante na sensibilidade do meu patrão.

- Bom dia Doutor. Podemos conversar? – Perguntei um pouco receosa.
- Claro. Sente-se – respondia o Dr. Gonçalves, apontando para a cadeira em frente a si. – Então?
- Bem Doutor – Tentava controlar a secura na voz provocada por aquele estado de ânsia – Eu queria pedir-lhe um favor.

O Dr. Gonçalves levantou-se, abriu a janela por trás de si e acendeu um cigarro. Eu olhava, com cobiça, para aquele acto que me apetecia repetir. O meu patrão fazia sinal com a cabeça para continuar.

- Então, eu precisava de tirar dois dias de férias… (pausa) … se possível, claro.
- Ora, cara Ana, mas para isso não precisava de vir até aqui. Bastava comunicar os dias à Salomé e enviar-me um e-mail. Se tem dias de férias, acho bem que usufrua deles.
- Pois, mas é que… – inevitavelmente, as minhas mãos começaram a tremer e os meus dentes davam pequenas trincas no interior dos lábios. O Dr. Gonçalves olhava-me, aguardando que eu continuasse – … Sabe, Doutor, eu precisava de gozar estes dois dias de férias… – voltei a fazer nova pausa para controlar a voz trémula – hoje e amanhã.

O meu patrão olhava-me com surpresa. Uma nuvem de fumo voou da sua boca e o cigarro foi apagado. Eu sentia cada vez mais dificuldade em controlar o estado de nervos em que me encontrava.

- Pois bem, Ana, se precisa… – Ele estava de novo sentado na sua poltrona – Mas passa-se alguma que eu deva saber? Posso ajudar em alguma coisa?

A indecisão voltou a tomar conta de mim. O motivo a apresentar para faltar ao trabalho podia não parecia plausível aos olhos do meu patrão, mas a mentira era uma alternativa que estava fora dos meus planos.

- Eu preciso de me ausentar do país, Doutor. Tenho mesmo de fazer uma “viagem-relâmpago” a Paris. – Assim que terminei de falar, respirei fundo e deixei que uma sensação de alívio me percorresse o corpo.
- Paris? Não me diga que vai ver o Benfica? – Perguntava o Dr. Gonçalves divertido.
- Bem, na verdade…

O meu patrão nem me deixou terminar a frase. Soltou de imediato uma gargalhada audível em todo o edifício.

- A sério? – Uma expressão de surpresa inundava-lhe o rosto – Pensei que a Ana fosse sportinguista e que essa sua característica fosse irreversível.
- E é, doutor, mas…
- Ah, compreendo. Vai ver o jogo do Benfica, mas esse não é o objectivo principal da sua viagem, estou certo?

Aquela sinceridade e perspicácia do meu patrão assustavam-me.

- Está certíssimo, doutor. E eu peço desculpa pela ousadia, mas de facto esta viagem é muito importante.
- Quem é o felizardo? – O Dr. Gonçalves sorria e elevava o olhar numa expressão de adivinha. Depois fitou-me com os seus olhos arregalados – Não me diga que é você a namorada do pequeno Ruben?
- Não, claro que não – Respondi-lhe, num tom firme.
- Muito bem, Ana. Então, estamos conversados. Faça boa viagem e desfrute da beleza de Paris. A que horas tem voo?
- Ainda não marquei a viagem. Tinha de falar consigo primeiro, obviamente.
- Muito bem, então não se preocupe que eu faço a reserva. Afinal, se temos uma parceria com a TAP é bom que a usemos. Não quero esses fulanos a encherem os bolsos às minhas custas. Envie-me um e-mail com os seus dados pessoais.
- Eu agradeço, Doutor, mas eu não vou sozinha, vou com a minha amiga Raquel – fiz uma breve pausa e sorri – a namorada do Ruben.
- Não há problema, minha cara, eu depois acerto contas com o velho Amorim.

O Dr. Gonçalves sorria, divertido, enquanto me mandava tratar das informações com urgência. Eu, ainda atónica com a compreensão e generosidade do meu patrão, corri para o meu gabinete. Estava com um sorriso de orelha a orelha e transbordava felicidade por todos os poros quando peguei no telemóvel e liguei à Raquel.

- “Olá Kika, tudo bem?”
- Bonjour mademoiselle. Ça vá?
- “Bom dia também para ti. Tens a certeza que estás bem?” – A Raquel sorria enquanto falava.
- Estou óptima, mas preciso de ter uma conversa muito séria contigo. Estás em casa?
- “Sim, estou. Porquê?”
- Tens o computador ligado?
- “Sim Kika. Mas importas-te de me dizer o que se passa?”
- Então tens dois minutos para me mandar um e-mail com os teus dados pessoais e mais meia hora para fazer as malas. Vamos viajar.
- “Vamos?” – A Raquel mostrava um tom confuso na voz.
- Sim, vamos, Sra. Amorim. E leva agasalhos que parece que a noite em Paris é muito fria.
- “Paris? Tu não estás bem da cabeça, pois não Kika?”
- Já te disse que estou óptima. Agora manda-me lá isso que o meu patrão está à espera.
- “O teu patrão?” – A Raquel gritava de forma estridente – “O que é que o teu patrão tem a ver com o assunto?”
- Pensa Raquel, pensa. Eu não podia ir para Paris sem avisar o Dr. Gonçalves. E ele como é um querido ofereceu-se para nos reservar as viagens. A empresa tem um protocolo qualquer com a TAP que eu não percebi, mas também não quero. Já estás a mandar o e-mail?
- “Estás a falar a sério, Kika?” – A voz da Raquel era agora definida por um misto de entusiasmo e surpresa.
- Nunca falei tão a sério. Daqui a meia hora estou em tua casa.
- E como é que vamos para o aeroporto? E onde é que vamos dormir esta noite? E bilhetes para o jogo?
- Calma. Não te preocupes que eu trato de tudo. Até já. Beijinho.

Sem esperar para ouvir a resposta da Raquel, desliguei e sentei-me em frente ao computador à espera do seu e-mail.

******************************

O aeroporto estava num reboliço naquele início de tarde. Lá dentro, um amontoado de pessoas e de malas provocavam o caos na zona das partidas, com as filas para o chek-in a formarem um labirinto disforme e desordenado e as conversas multi-linguísticas a comporem uma harmonia tão estridente quanto admirável. Cá fora, o pára e arranca dos carros, táxis e autocarros e a correria louca de quem deles saía eram toldados por uma carga de tensão descomunal. E no meio daquela confusão, eu e a Raquel bebíamos, sentadas numa esplanada, um café enquanto fumávamos o último cigarro antes da chamada para o embarque. Dividíamos sorrisos e expressões de ansiedade, enquanto o nosso entusiasmo ia crescendo com o aproximar da hora do voo. Caminhámos, excitadas e confiantes, para a porta de embarque. Atravessávamos o último corredor, quando um pensamento veloz me assaltou. Olhei para a Raquel, em pânico.

- Bolas, ainda não liguei ao Paulo. – Desacelerei o passo, enquanto procurava freneticamente o telemóvel na carteira.
- Ai Kika, e se ele não atender? – A Raquel estava ainda mais apavorada que eu.
- Mato-o. – Respondi-lhe convicta.

A palavra saiu-me num tom ligeiramente acima do pretendido e todos os passageiros que estavam na fila olhavam para mim. Eu sorri, primeiro timidamente, pelo desconforto que aquela observação colectiva me provocada, depois abertamente, ao ouvir a voz do Paulo.

- Doutora Ana, estava mesmo à espera do seu telefonema. Já sei que tem novidades para me contar e escusa de tentar desmentir.
- Paulinho, falamos sobre isso depois. Agora tenho outro assunto urgente a tratar contigo.
- Hum, cheira-me a problema.
- Isso já depende de ti.
- De mim? Oh Aninhas…
- Shiu – ordenei-lhe enquanto dava mais um passo em direcção à porta de embarque, auxiliada pela Raquel que me segurava no telefone para que eu pudesse procurar a carteira dos documentos. – Preciso que me encontres um hotel em Paris barato, mas não brega, e reserves um quarto duplo.
- Dois – Ordenava a Raquel colocando o telemóvel junto ao seu ouvido. – É melhor prevenir – Continuou, olhando para mim e devolvendo o telemóvel à minha orelha.
- Estás com a Raquel? – Interrompia o Paulo, com uma pergunta incrédula.
- Sim. Pronto, dois quartos duplos num hotel porreirinho mas baratinho. E preciso também de dois bilhetes para o jogo de logo.
- Do Benfica? – As palavras do Paulo continuavam inundadas de surpresa e desconfiança.
- Não, do Cascalheiro de Baixo. Claro que é do Benfica, Paulo. Percebeste tudo? – Perguntava-lhe, enquanto dava mais um passo e ficava com apenas mais três pessoas à minha frente na fila.
- Hum, hum. E a seguir vais pedir-me o quê? Dois bilhetes para visitar a Torre Eiffel? – A voz do Paulo confirmava as minhas suspeitas de que ele não estava a acreditar numa única palavra que eu dizia.
- Olha por acaso era boa ideia, mas não sei se teremos tempo para isso. – Respondi-lhe a sorrir e cheguei finalmente junto da funcionária.
- Mais alguma coisa doutora? – O Paulo dava continuação ao seu desdém.

Entreguei o bilhete à funcionária e ela fixava o olhar na minha mão que segurava o cartão de cidadão. Eu segui-lhe o olhar e atrapalhada, tentei desculpar-me.

- Desculpe… o meu cartão de cidadão, certo?
- Hã? – Gritava o Paulo do outro lado da linha. – Para que é que eu quero isso?
- Obrigada por preferir viajar com a TAP. Boa tarde e boa viagem. – Dizia-me a funcionária com um sorriso simpático. Eu agradeci-lhe, dei um passo em frente e fiquei à espera da Raquel, antes de terminar a chamada.

- Ana, estás a ouvir-me? – Os gritos do Paulo ao telefone voltavam a chamar a atenção dos outros passageiros sobre mim. Sorri envergonhada e virei costas.
- Sim, estou aqui. Vais arranjar-me o que te pedi ou não?
- Tu e a Raquel… vocês estão… vocês vão… apanhar um avião para Paris?
- Sim, claro. Pensavas que eu estava a brincar?
- Chiça, Ana Moreira, tu és completamente passada dessa cabeça. – O Paulo falava com firmeza, como era seu apanágio.
- Pois sou, Paulinho, mas tu já devias saber disso. – Sorri-lhe e fiquei a ouvir as suas gargalhadas parisienses. – E então, posso fazer uma viagem tranquila com a certeza de que tenho uma camita para dormir e uma cadeira no Parque dos Príncipes para ver o meu caracolinhos?
- Oh Kika…
- Obrigada. Eu sabia que não me ias falhar. Agora vou ter de desligar, está bem?
- Com certeza. Façam boa viagem.
- Obrigada. Assim que chegar ligo-te. Olha… – não consegui acabar a frase.
- Já sei. – Interrompeu-me o Paulo – Não posso dizer nada aos rapazes.
- O Ruben já sabe. Portanto, não digas ao David.
- Fica descansada. Beijinhos.
- Obrigada. Beijinhos. Adoro-te.

Desliguei o telemóvel, coloquei-o na carteira e fiquei, com a Raquel, à espera da nossa vez de entrar na manga de acesso ao avião que nos levasse até Paris.

Já sentadas nos nossos lugares, e enquanto nos preparávamos para a descolagem, não evitámos um sorriso e uma troca de olhares cúmplices. Encontrámos, no rosto uma da outra, a certeza de que aquela loucura iria resultar na perfeição. Porque afinal, ela era movida por duas das coisas mais importantes na vida de alguém: a amizade e a paixão.

13 comentários:

  1. LINDO.... maravilhoso...

    Agora quero o reencontro da Ana com o David!!!

    Adorei o capitulo...

    Continua... :D

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  2. Lindo! Maravilhoso! Perfeito!
    Amei amei o capitulo!
    Podias postar mais um hoje? Por favor :)

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  3. Que grande capitulo Ana Moreira...
    Agora estou mortinha pelo o capitulo em França, mortinha, mortinha.
    Adorei.
    Beijinhos

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  4. Bem Ana superas-te todas as minhas espectativas esta fantastico simplesmente lindo ...Agora so falta o reencontro dos dois estou em pulgas pra ver o reencontro...Bjs.

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  5. Excelente...

    Quero mais... Tou muito curiosa...

    Se poderes posta mais hoje... por favor... Continua...

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  6. Adorei!
    Quanto mais leio mas quero!
    Continua!

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  7. Aiiiii, que fixe!!! :D Estou ansiosa pelo reencontro!!! ;D Estou viciadíssima na tua fic!!! :D

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  8. Tão mas tão lindo :D
    Adorei, está fantástico como sempre!
    Agora não me faças sofrer muito tempo pelo próximo!!!
    Muitos Parabéns... esta história é simplesmente fabulosa!
    Beijinho grande Aninhas... continuo com saudades...

    PS: estive a pensar... já que a Raquel está dentro de um avião podias tratar daquele assunto que falámos no outro dia;) mas salva a Ana... doida como ela é, deve ter um curso de paraquedismo!!! Pensa nisso, com carinho :D

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  9. Agora tou curiosa para saber como vai correr a viagem a Paris, afinal de contas vão ser reservados 2 quartos para os casalinhos :P e aqueles dois tem mesmo de se entender á seria.

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  10. aninha quero mais... please posta hoje...
    confesso que a tua fic nao era uma das minhas preferidas, mas acho que nestes ultimos caps tens conseguido deixar-me cada x mais curiosa, qt a escrita é simplemente espectacular, a história tem melhorado de cap para cap... e agora podes crer que nao passa um dia sem que venha ver se tens novo cap, por isso aninha toca a postar...

    bjs, e continua... :P

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  11. Estou tao ansiosa pelo encontro na França!
    Posta hoje, por favoor :b

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