terça-feira, 16 de novembro de 2010

Capítulo 30 - Até às estrelas!


 

As mãos trémulas e humedecidas eram o sinal mais evidente do nervoso miudinho que eu sentia. A mesma imagem que me prendia o olhar paralisava-me também os movimentos. Tinha acabado de abrir a porta e por momentos pensei ter-me enganado no quarto de hotel. Ainda com a minha mão direita pousada sobre a maçaneta, fiquei petrificada perante o que vislumbrava. O David, logo atrás de mim, tinha o seu corpo colado ao meu. Apesar de eu estar de costas, podia adivinhar-lhe no rosto o mesmo sorriso que me rasgava os lábios. O meu coração, que já batia acelerado, disparou velozmente quando o David encostou os seus lábios ao meu ouvido, para me perguntar num sussurro.

- Você preparou tudo isso para a gente?

Senti naquele momento dois corações a palpitarem fortemente numa sintonia tão perfeita que pareciam um só.

- Não fui eu… – Respondi-lhe em surdina.
- Ué, então quem fez isso?

Voltei-me de frente para o David e nem precisei de lhe responder, porque ele fê-lo por mim.

- Esse Paulão me surpreende a cada dia que passa! – Sorriu – Vamo entrar?

Enquanto o David fechava a porta, eu caminhava lentamente pelo corredor em direcção à secretária que tinha uma decoração diferente daquela que eu havia encontrado à tarde. Na jarra de vidro, as rosas brancas tinhas sido substituídas por rosas vermelhas e a madeira clara estava, então, coberta de pétalas da mesma cor. Ao lado do candeeiro, uma garrafa de espumante estava embutida num frapê metalizado, junto ao qual estavam pousados dois copos altos. Ao centro, uma taça de vidro avermelhada continha uma dúzia de bombons. Quer na secretária quer em cima das mesinhas de cabeceira estavam espalhadas algumas velas, ainda intactas. Sorri levemente e agradeci ao Paulo, em pensamentos, pelas várias manifestações de amizade com que me tinha brindado desde que ao início daquela tarde o tinha avisado que estava a caminho de Paris.

Quase em surdina, o David aproximou-se de mim, e afastou algumas madeixas do meu cabelo, deixando o meu pescoço à mercê dos seus leves beijos. O meu sorriso expandiu-se e um suspiro profundo acompanhou um só arrepio que me percorreu o corpo velozmente. Senti-me a flutuar. O David envolveu o meu corpo num abraço forte durante segundos, para me largar logo de seguida. Aproximou-se da secretária e retirou uma das rosas da jarra. Levou-a ao seu nariz e inspirou aquele aroma. Deu-ma também a mim a cheirar.

- Sabe o que essa rosa me faz lembrar? – Perguntou-me com um sorriso rasgado.
- Nova Iorque? – Ripostei, também com um sorriso. Sabia que ele se estava a referir ao nosso primeiro jantar.
- Cara, eu acho que fiquei apaixonado por você nesse momento!
- A sério? E eu a pensar que tinha sido no dia em que quase me mataste. – Soltei uma gargalhada sonora.
- Engraçadinha… – O David colocou de novo a rosa na jarra e puxou-me contra o seu corpo – Esse foi o dia em que eu te achei maior gata – Disse, beijando-me.
- Sim? – Perguntei-lhe interrompendo o beijo – pensei que isso tinha acontecido só naquela noite em que me apanhaste de rabo à mostra – Para evitar a resposta, beijei-o de novo, mas com alguma dificuldade. Manter os nossos lábios unidos era difícil devido aos risos que íamos soltando.
- Boba – Balbuciou o David por entre beijos e sorrisos.

Apesar de nos conhecermos há relativamente pouco tempo, eu e o David tínhamos já algumas histórias para recordar. E isso tornava aquela noite ainda mais especial, porque a dotava de conteúdo. E apesar dos receios, que nem o ambiente romântico conseguia eliminar, eu sentia-me preparada para consumar aquela paixão. Afastei-me ligeiramente do David, despi o casaco, que atirei para cima da mala, e com o isqueiro, que retirei da carteira, acendi as velas pousadas sobre a secretária. Peguei depois num bombom, trinquei suavemente uma metade e levei a outra à sua boca. O David pegou então na garrafa de champanhe, que já estava aberta, e encheu os copos. Por entre uma profunda troca de olhares, brindámos! E o tilintar dos copos a bater marcou o início de uma entrega mágica, que nem as fugazes recordações trazidas pelo travo agressivo das gotas de champanhe com que apenas humedeci os lábios poderiam impedir. Pousámos os copos e beijámo-nos apaixonadamente. Os nossos corações voltavam a bater num compasso sintonizado e os nossos corpos ganhavam vontade própria. Era como se se conhecessem desde sempre. Deixei que as minhas mãos se perdessem pelos rebeldes caracóis do David enquanto ele, delicadamente, me ia retirando cada peça de roupa. E a cada milímetro do meu corpo que ficava a nu, o meu sangue fervilhava de desejo. O David beijou-me o pescoço, depois os ombros e desceu até ao peito, tornando a nossa respiração ofegante. Estávamos já a meio de uma “viagem” que nenhum dos dois queria interromper, mas ainda assim o David não hesitou em questionar o meu grau de certeza. O que me pareceu justificável, perante as constantes dúvidas e hesitações que foram marcando a nossa história até àquela noite em Paris.

- Eu sei que pode parecer estranho eu perguntar, mas eu preciso saber. Até onde você quer ir?

Sem desviar o meu olhar do dele, percorri, com leves beijos, um lento caminho desde a sua boca até ao seu ouvido.

- Até às estrelas! – Disse-lhe com firmeza na voz.

Apertei-o com todas as minhas forças, beijei-o avidamente e sem resistir aos instintos, fui despindo o David, que num gesto delicado me agarrou ao colo e me deitou lentamente na enorme cama. Estávamos apenas em roupa interior e eu senti o olhar do David percorrer-me o corpo. Deixei-me apoderar pela timidez. Ter partilhado durante tantos anos a minha intimidade com apenas um homem e não ter voltado a fazê-lo desde que esse homem deixou de fazer parte da minha vida, intimidava-me e de alguma forma fazia despontar as minhas inseguranças. O David foi buscar o isqueiro e acendeu cada uma das restantes velas espalhadas pelo quarto, apagando as luzes. Numa atitude provocadora, voltou a percorrer a minha silhueta com o olhar. Eu sorri-lhe, tranquilamente, e retribui o gesto. Apreciei o seu corpo delineado com a mesma precisão e deslumbramento de quem aprecia uma obra de arte. Foi então que o David voltou a retirar uma das rosas da jarra e se sentou junto a mim. Depois de um beijo demorado, voltou a levar-me a flor ao nariz para que eu lhe sentisse o aroma.

- Agora… fecha os olhos! – Ordenou-me com uma voz doce.

Eu fechei os meus olhos lentamente e inspirei suavemente. E foi então que senti o toque macio da rosa. Primeiro no rosto, o que provocou em mim um efeito relaxante. Depois no pescoço, descendo lentamente até ao peito, transformando o relaxante em prazeroso, e depois na barriga, percorrendo uma linha até ao umbigo, fazendo acelerar o bater do meu coração. Os movimentos do David eram demorados, delicados, por vezes trémulos. O nervosismo que eu sentia começou a dissolver-se à medida que a minha excitação aumentava. E no momento em que senti aquele toque aveludado das pétalas a contornarem-me as virilhas em direcção ao interior das coxas, gemi baixinho. Voltei a abrir os olhos e encontrei no rosto do David a mesma ânsia de se entregar ao prazer. Em silêncio e por entre beijos ardentes, entrelaçámos os nossos corpos, deixando-os entregues à paixão. E num instante, eles se uniram num só. Um encaixe perfeito que parecia acontecer desde sempre. Ofegantes e suados, eles moviam-se incessantemente ao ritmo daquele desejo que parecia insaciável. E mesmo que no limite das forças, eles pediam sempre mais… e o mais parecia sempre tão pouco.
Pressentindo que o final daquela “viagem” estava próximo, olhámo-nos uma última vez. E, numa sintonia perfeita, atingimos o limite máximo do prazer.

Ficámos largos segundos abraçados, com os corpos ainda entrelaçados, olhando-nos mutua e enternecidamente. Eu sentia o meu corpo ainda dormente, mas o toque da pele macia do David ia acalmando o bater do meu coração. A pouco e pouco, a respiração voltou ao seu ritmo normal. O David dava-me pequenos beijos na testa.

- Obrigado! – Murmurou-me, com um sorriso terno.
- Pelo quê? – Perguntei-lhe no mesmo tom.
- Por essa noite fantástica, pelo seu carinho, pela sua entrega…
- … Shiu – interrompi-o, levando o dedo indicador à boca – não me agradeças por me sentir feliz ao fazer-te feliz!
- Te adoro, lagartixa!
- Eu também te adoro caracolinhos.


*****************************

O banho quente que partilhei com o David tinha relaxado de tal forma o meu corpo que sentia o cansaço apoderar-se de mim. O David tinha apagado as velas, deixando apenas a luz do pequeno candeeiro acesa. Aninhei o meu corpo junto ao dele, na cama, e deitei a minha cabeça sobre o seu peito destapado. Coloquei as minhas pernas sobre as dele e abracei-o com força. Ele beijou-me suavemente e envolveu-me com o seu braço musculado. Eu senti-me segura, como já não acontecia há muito tempo. Fechei os olhos e tentei adormecer, embalada pelo cafuné que o David me fazia. Mas quase instantaneamente, uma lágrima soltou-se do canto do meu olho e rolou pela minha face até chegar à pele delicada do David que, num impulso, levou a sua mão livre ao meu queixo, puxando a minha cara de forma a que os nossos olhares se cruzassem.

- Ei, tá chorando porquê meu anjo? – Perguntou-me com um sorriso encantador.
- Desculpa, foi só uma lagrimita teimosa que me escapou.
- Porquê?
- Sabes David – suspirei profundamente – já não estava habituada a sentir-me assim.
- Assim como? Cê está triste, se arrependeu?
- Não, claro que não – retorqui com convicção, enquanto me levantava, ficando sentada ao lado do David – Estou feliz, muito feliz! E há muito que eu não sabia o que isso era. Estar feliz, sentir-me bem, sentir-me acarinhada, sentir-me desejada, sentir-me… – fiz uma breve pausa – … sentir-me mulher!
- Como não? Você é uma mulher linda e atraente, Kika!
- Também já não estava habituada a tantos elogios – as minhas maçãs do rosto estavam rosadas.
- Então vai-se habituando, viu… porque eu vou-te elogiar toda a vez que estivermos juntos! – O David sorria para mim.
- Tu és incrível, sabias?
- Que nada, você é que é fantástica. – O David fez-me uma festinha na cara e beijou-me a ponta do nariz – E eu já entendi que há muita coisa no seu passado que atormenta esse coraçãozinho e eu até posso imaginar o quê…
- Não, não podes… – Interrompi-o de imediato – mas eu também não quero falar sobre isso. É verdade que há muito para ser dito, mas não agora, não depois deste dia incrível e desta noite maravilhosa. Temos tempo, certo? – Perguntei-lhe, procurando ao mesmo tempo uma resposta no seu olhar.
- Claro, todo o tempo do mundo. Vem cá, vem. Deixa eu te abraçar.

Deixei cair o meu corpo para junto do David e beijei-o delicadamente. Tudo o que vinha a acontecer na minha vida desde que o tinha conhecido me parecia demasiadamente irreal, mas não o suficiente fabuloso para apagar a dura realidade que tinha vivido no passado e o medo terrível que tinha do futuro. Como se me adivinhasse os pensamentos, o David intensificou aquele beijo e aquele abraço. E foi nesse preciso momento que eu percebi que, só fechando definitivamente aquele capítulo negro da minha vida, seria capaz de virar a página e começar um novo… muito mais feliz!